XII - Erros, memórias e tristezas - Tenebrisen

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Os dois riram das memórias contadas.

— Ah... Sabe, Teb... Eu gostaria de ver um lugar novo... Com tantas lembranças eu queria poder criar uma nova, entende?

A ideia surgiu na cabeça de Tenebrisen, porém logo se segurou. Haviam conversado por horas, apesar de ele estar totalmente recuperado, sabia que todo aquele tempo tinha o efeito oposto para Gallas. Mas mesmo assim... Podia fazer isso por ele.

Quando sugeriu a viagem pelas sombras para o irmão, viu um brilho nos olhos dele que há muito não conseguia criar.

— Pode fazer isso? — Ele perguntou empolgado.

— Sabe que posso, Gal. — Respondeu rindo. — Venha, eu te ajudo.

Com delicadeza e força, levantou o velho e o manteve de pé para que pudessem atravessar o portal. Visualizou a Floresta de Vingüeval e poucos segundos depois estavam andando lentamente entre as árvores.

— Então essa é a famosa floresta? — Questionou Gallas olhando em volta.

— É sim. Onde a guerra nunca chegou.

— Nem me diga. Me consideraram herói da Guerra das Sete Noites, mas nunca cheguei a conhecer a floresta!

— A única coisa que concordaram foi em não deixar a guerra chegar aqui, não é?

— Mas faz mais de oitenta anos que a guerra acabou! E eu tenho 112! O problema foi eu! Sem desculpas!

— Realmente, falando desse jeito... — E ambos riram.

Entretanto, assim que ficaram em silêncio, ouviram o barulho de movimentação perto de onde estavam. Instintivamente, ambos ficaram em silêncio e Tenebrisen os escondeu nas sombras.

Não demorou muito e viu por entre as árvores um grupo de pessoas com capuzes andando na direção em que vieram. Reconheceu as bestas e o símbolo na capa em suas costas, uma estrela com seis pontas arredondadas; eram aqueles que o haviam preso centenas de vezes e, o pior de tudo, pegaram sua filha.

No entanto, ao ver o grupo de nakoushiniders andando tranquilamente na floresta, seu primeiro temor foi: as crianças de Groleo.

— Vamos voltar. — Falou baixo para somente o irmão ouvir e logo em seguida estavam nos aposentos de Gallas novamente.

Sua respiração estava acelerada. Não deveria tê-los mandados sozinhos. Queria que tivessem encontrado Skinhago, dera as ordens certas e Groleo também. Era simples, se esperassem mais um pouco poderia ter ido junto e até revisto o velho amigo, porém, confiara que na floresta estava tudo bem; lá era o lugar que sempre estivera seguro... Mas aquilo confirmou o que temia... Nenhum lugar era seguro mais.

Antes que pudesse explicar o desespero que sentia para o irmão, a porta do cômodo se abriu e Silena entrou rapidamente. Ela não estava com a mesma roupa de antes, trocara a blusa e a calça por um vestido longo e volumoso; já seu semblante passara da tristeza para o desespero.

— Tenho um problema. — Anunciou.

Em seguida, um pequeno dragão saiu de baixo da saia. Suas escamas eram bege claro e as garras, barriga, crinas e asas, pretas. Não passava de cinquenta centímetros de altura, mas andava rapidamente pelo quarto observando tudo curiosamente.

— Não acredito! — Gallas exclamou batendo palmas. — Que lindo, que lindo!

A alegria durou bem menos que pouco, acabando com o som de batidas na porta. O recém nascido se escondeu de volta nas saias da garota e Gallas deu a ordem para que entrassem.

Dois soldados portando lanças e escudos entraram com a expressão indiferente.

— Senhor, representantes nakoushiniders estão aqui.

— O que?! — As palavras do irmão saíram expressando a incompreensão que os outros dois presentes sentiam.

— Dizem que tiveram uma denúncia. — Explicou naturalmente o outro guarda.

— Diga-lhes... — Ele hesitou. — Diga-lhes que já vou.

Os dois assentiram e deixaram o cômodo fechando novamente a porta.

— Vão. — Disse com a voz embargada.

Os olhos de Silena marejaram.

— Não...

— Desculpe, filha. É o melhor para você.

O que foi que eu fiz... Sentia que era sua culpa, que havia atraído os monstros para a casa de sua sobrinha...

— Mas eles não sabem...

— Vão saber assim que te virem.

Não podiam ir para a floresta. E mesmo assim, mandei aquelas crianças para lá. Para onde? Para onde?

— Teb, pegue minha cadeira.

Se afastou da cama para pegar o meio de movimentação do velho, uma cadeira com rodas que permitia ir mais longe com suas pernas cansadas. Enquanto isso, a menina correu para o lado de seu pai com as lágrimas já escorrendo.

— Não será um adeus. Eu prometo.

Havia dois lugares para onde poderiam ir. Um, porém, não ia há muito e não sabia como seria recebido, se com palmas ou pedras. Contudo, o outro não fora suficiente para protegê-los uma vez, por que seria agora?

É o único meio...

Ajudou o irmão a se sentar na cadeira enquanto ele e a garota trocavam frases de carinho.

Se reconheceu naquela situação. Nas duas situações. Se lembrou de quando deixara seus pais para treinar no continente com cinco contagens e voltou para encontrar o neto deles, com quem manteve contato para aliviar o sentimento de culpa de ter abandonado sua família. Ainda assim, gerações depois, chamava o descendente de seu irmão da mesma forma. Ao mesmo tempo, se recordou dos gritos de sua filha assustada com os barulhos de bestas atirando enquanto corriam pela floresta tentando chegar na proteção mágica; dos gritos ao ver o sangue do pai ao ser atingido na perna por um dardo envenenado que o impedia de usar seus poderes; dos gritos dela ao ser pega pelos nakoushiniders enquanto ele lutava ferido contra cinco vezes o seu número; do último grito quando foi nocauteada; e de sua imagem sumindo nas árvores enquanto ele perdia a consciência e Groleo permanecia desmaiado ao seu lado...

Isso não vai acontecer de novo...

Com um toque gentil, afastou Silena de Gallas e abriu o portal fazendo um arco com o braço. Quando chegaram no destino, os dois choravam: ela provavelmente por saber que não veria o pai em um bom tempo — se chegasse a revê-lo; ele pelas memórias felizes que tivera naquele lugar e pelo assombro de que provavelmente nunca teria novas lembranças como aquelas outra vez.

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