Capítulo 20

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Liara,

— Criatura onde se meteu? Que demora. – Olhei para minhas mãos e dessa vez, nem sequer o envelope com folha em branco eu tinha me lembrado de trazer de volta. Devia estar até trêmula de tanto susto. Por outro lado, tive a confirmação dos buchichos... A doutora estava mesmo a fim do Cairon, e pelo jeito, até estiveram juntos em algum evento. Mas, não iria me preocupar com isso agora. No momento, só por ela não ter me visto ali, já era o suficiente. – Tudo bem, não precisa me responder, apenas lembre-se que te alertei contra o Heitor. – Ela me deu as costas começando a fechar o fórum. Ficou-se subentendido que eu estava com o Heitor. Queira Deus que ela não fosse falar com ele. – Eu vou alertar o doutor Breno sobre o Heitor. – Quando ela disse isso, me vi na obrigação de estender a mentira.

- Não Késsia, eu não estava com o Heitor, só fui até o prédio de frente levar um documento que deveria ser entregue nas mãos do Juiz.

- É? E quando esse documento chegou?

- Ainda há pouco.

- E espero que tenha entregado em mãos. Sabe que eles odeiam quando algum documento se extravia. – Eu diria que sim, mas fomos interrompidas.

- Teve êxito em falar com o Juiz? – Olhei para trás e me deparei com ninguém mais que doutora Ana Luiza. A mulher devia estar me seguindo, só podia.

- É que... Ele estava ocupado. – Tanto ela como a Késsia olharam para mim. — E... Eu, até esperei um pouco, mas desisti.

— Verdade. Você deve ter chegado um pouco antes de mim. Também estive lá, por isso quero que antes que saiam do fórum que se reúnam na sala do café. Junte todas as meninas para mim que trabalham aqui.

— Sim senhora. – Em poucos minutos todas nós estávamos reunidas na sala. O que me preocupava, não era a bendita reunião que a mulher havia cismado de fazer de ultima hora, mas o horário de irmos para casa. Eu tinha muito que fazer, não podia perder um minuto sequer.

— Bom... Meninas o que eu quero dizer é o seguinte. Quando me enviaram para este fórum, vim informada de que aqui é livre o relacionamento entre colegas de trabalho, e com isso, homens e mulheres casados se relacionam em troca de favores. – Os olhares entre nós e assessoras iam da Juíza, às colegas de trabalho, todas sem saber ao certo, onde ela queria chegar. Os boatos existiam, mas não sei se tinha uma regra para o quesito namoro entre colegas aqui.

- Que absurdo. – Alguém murmurou para o espanto da Juíza. Ela se sentia ofendida no momento. Mais que todas nós.

- Absurdo? Absurdo, são assessoras levando assuntos internos para advogados fora do recinto de trabalho, porque estão compartilhando um leito de motel. Não é só absurdo. É intolerável!

O murmúrio foi geral entre todas que estavam ali. Nós atendentes, a assistente social, arquivista, as assessoras, analistas e até mesmo duas faxineiras.

— Como assim doutora? Está dizendo que entre nós há uma mulher que mantém relação amorosa com colegas em pleno trabalho? A senhora não acha que está sendo um pouco precipitada em fazer essa reunião? A senhora está nos insultando a todas. – Uma das assessoras se posicionou.

— Não estou insinuando meu bem. Eu estou afirmando que há. E eu vou descobrir e quero a cabeça desta pessoa. Não só porque está andando como homem casado, como tem levado informações deste fórum para o TRF.

- Como assim? – Todas queriam saber se aquilo era uma investigação formal ou só especulações;

— A senhora, está nos colocando todas em um mesmo patamar. – Assessora era a única que enfrentava a Juíza e eu estava atônita. – E que direito a senhora tem sobre nossas vidas e nossas condutas. Somos todos maiores de idade aqui. E se alguma de nós aqui mantém relação com alguém que...

— Que nada. De agora em diante como teremos Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, precisamos nos dar ao respeito. Seria você doutora a desavergonhada? – A assessora se levantou e pegou sua bolsa, olhou para a juíza e respondeu com toda calma.

— Ainda essa semana a senhora receberá uma intimação do Ministério Público, por abuso de poder. Eu mesma farei a denúncia. Olhe para estas meninas cansadas do trabalho ainda tendo que ouvir tanta atrocidade. - Olhei as horas querendo não me atrasar para a faculdade. E foi quando veio a pior parte.

— Você tem um compromisso meu amor? – Ela se voltou para mim, fazendo com que a assessora não saísse da sala. - Estou te atrasando? Aliás, nem era para vocês – Ela gesticulou para mim e das faxineiras. — Estarem aqui. Podem ir.

— Esperem. Por que elas não podem estar aqui já que a senhora disse que não sabe quem é e que poderia ser cada uma de nós?

— Meu amor. É simples. Essa mulher deve ser peixe grande. Por que o homem em si, o é. E olhe para elas. – Eu estava irritada, mas levei em consideração, que não poderia me alterar com a magistrada.

— Estou olhando. E aí? – A Josy agora parecia muito irritada.

— Elas são... – Ela ficava se contorcendo como se estivesse jeito de dizer. — Elas são moreninhas.

— Como? Moreninha? Negra a senhora quis dizer?

— É. São negras. E homens como os nossos, ou melhor, esse homem em si, não... Ah me desculpe queridas. Não queria dizer isso.

— O que? A senhora está brincando ou só pode estar louca. – Eu aguentei muito tempo calada. Uma mulher com o grau de estudo e instrução que tinha essa fulana. Não conhecer os direitos humanos? Era aqui que entrava a sabedoria das pessoas, minha tia dizia que há pessoas que estudam para dar bom dia aos cavalos. — A senhora está nos dispensando porque somos negras? Tem consciência que poderemos lhe processar? – Ou de que podia jogar na cara dela que eu havia dormido com um Juiz federal. Naquele momento eu entendi. Não era um homem do fórum que ela estava investigando. Era o Cairon. Ela só não havia me visto entrar, caso contrário, esse momento seria para me humilhar na frente de todas.

— Não. Não pense que sou preconceituosa. Mas analise comigo. Um juiz, e quero deixar claro que não trabalha aqui conosco, mas até mesmo do porte dos que temos aqui, sempre com tantas mulheres em volta, e precisando ostentar uma família perfeita e um casamento sólido, ele não... – O raciocínio dela era simplesmente podre.

— Eu vou sair por que realmente não sou a mulher que a senhora procura. Mas não pelo fato de ser negra e sim pelo fato de não ter que lhe dar satisfação de minha vida. E como disse a Josy. Amanhã faremos valer nossos direitos e a senhora aprenderá a lidar com pessoas.

A Josy que até então mantinha um bate boca com a Juíza entrou no meio.

— A senhora pode pedir transferência por que depois deste ato de preconceito com nossas colegas de trabalho não creio que permanecerá trabalho aqui. Como uma mulher pode defender outras mulheres se faz distinção entre pessoas, por suas cores? Por que, nem vou dizer que é por raça, nem etnia. Aguarde-me. – Antes de sair ela virou-se para mim. — E ai de você se não derem queixa amanhã e não pedirem meu depoimento. Ela pegou a bolsa e saiu. Fiz a mesma coisa. Mas fui detida pela Juíza.

— Não quero que leve a mal. Você me entende?

— Não eu não entendo a senhora. E nem quero entender. Amanhã veremos o deve ser feito. – Mas ela me deteve novamente.

- Essa bolsa... – Puxei a bolsa das mãos dela, antes que ela constatasse que era original.

Sai da sala e fui seguida pela Késsia que havia ficado em silêncio e pelas outras meninas que demonstravam todas estarem revoltadas.

— Precisamos relatar isso aos Juízes. E ao doutor Breno. – A Késsia parecia desolada.

— Amanhã a gente vê direito, preciso ir, estou atrasada para a faculdade. – Corri até o ponto de ônibus e segui meu destino. Eu não fiquei muito chateada com a perseguição da Juíza até por que assim eu ficava fora da investigação e poderia amar meu Juiz. Tranquila.

Mas optei por não dizer nada a ele já que tinha mencionado sobre ter ciúmes e ele poderia achar que eu havia agarrado um ódiozinho da mulher. Vamos ver no dia seguinte o que faríamos contra ela. Se é que se pode acusar uma autoridade desse porte.


A Amante do Juiz! (Degustação)Where stories live. Discover now