Capítulo Vinte e cinco

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*Então começamos  a caminhar para o fim. Dia 20 de Agosto na Amazon. 



Gabriela,

Eu devia ter contado. Devia ter contado desde o primeiro instante. Ou devia ter mostrado aquele pedaço de papel amarelo, o laudo médico. Esse que eu segurava em minhas mãos, já amarelado pelo tempo.

Enquanto minhas lágrimas caiam eu me lembrava dos momentos de aflição vivido enquanto me levavam até o hospital.

- Licença. – O Gael entrou no quarto e eu não tive forças para me levantar e nem para secar as lágrimas que corriam por minha face.

Ele sentou-se ao chão ao meu lado e me puxou até que me sentasse em seu colo.

E eu apenas chorei.

- Há coisas que não me lembro mais. – Sentia meu corpo tremer. – Mas foram dias terríveis.

- Eu imagino e não precisa falar.

- Já tinha passado por isso uma vez, e quando o padrasto tentou, eu tinha apenas nove anos, a mãe chegou e o tirou de cima de mim. Mas os gritos dele até hoje eu consigo ouvir. Dizia que eu o provocava com minhas roupas curtas. Mas será que não entendia, que não era eu quem comprava minhas roupas? Eu não passava de uma criança que vivia das sobras das roupas das maiores. E na verdade, mesmo quando eu usava calça jeans, ele me sentava em seu colo e quando ninguém via, ele tentava...

- Não precisa falar. – Ele tinha razão. Eu não precisava falar, mas naquele momento eu tive necessidade de dividir isso com alguém. E ele era a pessoa certo. Assim entenderia todos os meus traumas.

- Ele dizia que desde pequena eu era uma vagabunda e que devia ter saído às meninas da favela. – Meu corpo chegava a tremer revivendo cada momento. – Quando a mãe social o flagrou disse que eu era a culpada. E foi então que fui para outo lugar, mais um lar, levada pela assistente social.

- E lá que...

- Foi. Depois de um tempo, o marido dela a abandonou e ela logo começou a namorar esse sujeito. Ele era mais jovem que ela, mas de qualquer forma, mas velho que todas nós. E as meninas viviam falando para tomar cuidado, mas eu sempre fui pequena. E nesse dia, eu estava dormindo, quando elas foram às compras e me deixaram em casa. Ele chegou. – As lágrimas me impediam de continuar. O maldito havia entrado e nem me dado chance de correr. Acordei com ele arrancando minha roupa e se enfiando dentro de mim. E foi tudo rápido demais, doloroso demais, e não doía só o corpo, doía a alma. – Eu gritei. Gritei e ninguém me ouvia. Quando ele terminou havia sangue por todo lado, e eu apenas apaguei.

E agora que tinha a oportunidade de ser feliz, ele voltava a minha vida.

Dormia porque já havia indícios do apêndice. Mas quando se é criança, não damos muita atenção as pequenas dores.

Olhei para o Gael.

Ele entenderia? Se contentaria em ter apenas a Karol como filha? Não. Não era justo com o Gael, privá-lo de ter uma família.

Coloquei sobre sua mão o papel. Ele tinha o direito de saber que não podia ser mãe. Meu consolo estava nas crianças com as quais eu trabalhava, e principalmente na Karolyne.

Ele não olhou de imediato, e mesmo se eu estivesse de olhos fechados, diria à ele, cada palavra. Fiquei lendo e relendo esse texto por anos em minha vida, tentando explicar ao meu coração, o que aquilo significava.

"Hemorragia uterina" O laudo do médico afirmava que seria devido a ferimentos internos no útero.

Eu podia chegar a sentir na alma as dores, sentidas naquela maldita noite. E só entendi o que estava acontecendo um dia depois, ao acordar no hospital. A enfermeira comentava com a assistente social. "Ela sofreu hemorragia. "

DNA - Um lar para KarolyneWhere stories live. Discover now