Capítulo 1

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Itália, 1988

Meus olhos se abriram lentamente. Tive a sensação que havia dormido por décadas. Olhei ao redor notando a estranha organização no quarto, e a falta de minha esposa na cama. Fiquei de pé e notei a cama ainda intacta, como se eu houvesse apenas cochilado. Caminhei pela casa vazia e silenciosa, notando na falta de alguns móveis. Andei apressado pelos corredores até chegar no quarto de Camile, minha filha. Não havia nada lá, apenas a cama e os armários embutidos. Sobre a cama sem colcha, um bilhete velho, em uma folha de papel desbotada, que eu me obriguei a ler.

Querido, Kenneth...

Com ela começamos nossa história, e com ela vamos terminar. Você sugeriu adota-la, e foi nossa melhor decisão, mas Camile e eu não podemos mais viver nesta casa, e mesmo que talvez você não leia isto, eu precisava dizer adeus já que não tive a chance. Espero que entenda, meu amor. Amamos você.

Com amor, sua amada.

Me sentei na cama e amassei o papel. Elas tinham ido embora? Assim? Fiquei pensando na recente briga que tivemos, me perguntando se eu havia exagerado tanto assim para chegar a esse ponto. Camile, minha doce menina... ela havia deixado o bilhete no quarto de nossa filha para provar que é o fim. Como ela pôde?

Caminhei pela casa, notando o vazio que elas haviam deixado. não entendia o porque de terem deixado alguns móveis ali, mas isso não era estranho; estranho era o fato delas terem ido sem eu nem perceber. Tentei lembrar se havia bebido ontem,e resolvi considerar que sim visto que eu não lembrava de nada do dia anterior. Me sentei no sofá velho e desgastado e comecei a pensar em como estava me sentindo. Havia perdido minha esposa e minha filha, minha casa estava vazia e eu não entedia o que havia acontecido. Sem me importar, levantei da cama e peguei o telefone; disquei o número de celular de Katarine, minha esposa, e esperei. O número não existia. Como não? tentei mais uma vez e nada.

Forcei a memória e pensei na briga, eu tinha que pensar nisso.

Eu havia chegado do trabalho e Katarine estava na cozinha, chorando e fazendo o jantar; eu estava exausto, e minha filha de 15 anos mexia em seu notebook. Camile me deu um olhar zangado, e voltou sua atenção para o aparelho. Olhei para Katarine e ela enxugou suas lágrimas.

- Que houve? - perguntei

- Achei que íamos sair hoje - ela disse - nós três.

- Katarine, eu fiquei preso no trabalho - me defendi - não posso largar tudo para sair com vocês.

- Teve? Pois eu não acredito.

- Não me venha com essa história. Eu tive um dia cheio, não estou com cabeça para discutir o fato de eu trabalhar demais.

- Quem é Lira? - ela perguntou

Eu não fazia ideia do que ela estava falando. Se eu tivesse uma amante, tremeria na base, mas ela devia estar inventando pois eu não conhecia com tal nome.

- Do que está falando? Eu nunca ouvi esse nome. - afirmei

- Mas você falou. A noite toda ontem enquanto dormia.

- Não invente histórias.

- Não estou...

- CHEGA! - berrei - eu não tenho uma amante. Sou fiel a você e não admito que me acuse assim.

- Você está distante. Está diferente, Kenneth

- Pelo amor de Deus, pare com isso.

- Tudo bem...- ela fungou - se não quer me dizer, tudo bem.

- Chega. Jante sozinha, eu vou sair - peguei meu casaco e fui para um bar.

Eu não fazia idéia de quem era Lira, nunca havia escutado tal nome. Não parecia um nome comum para os dias atuais. Sentei em um balcão e comecei a beber.

Não lembro de nada depois disso. Talvez tenha bebido tanto que nem notei que elas já haviam ido embora; Katarine conhecia gente que podia muito bem ter ajudado na mudança del em um piscar de olhos. Talvez ela tenha ido assim que passei pela porta. Então era isso; eu estava sozinho.

Saí pela porta da frente e observei o dia claro. Castelsardo era uma cidade pequena, mas bem organizada. Katarine sempre quis sair da Itália, mas eu gostava das comunas que haviam aqui.

Ao observar minha rua, tentei andar discretamente; e deu certo, meus vizinhos nem me olharam, talvez a notícia de que eu tinha sido abandonado já estivera correndo solta; meu estômago se embrulhou. Não queria olhar para as pessoas que me conheciam e dizer que minha esposa tinha ido embora por um motivo que eu desconhecia. Eu não tinha uma amante, mas fui abandonado como se tivesse.

Entretanto, havia algo estranho com minha rua. Meus vizinhos pareciam mais velhos, e alguns eu nem conhecia. Ta que eu não era muito sociável, mas mesmo assim era estranho.

A árvore do vizinho estava maior, e eu tinha certeza que ela sequer existia. Também não sou um bom observador. Pensei em Katarine novamente.

- Você nunca nota nada - disse ela sobre seu cabelo - está sempre correndo para o trabalho.

- Katarine, eu já disse está lindo. - falei - eu não notei de primeira...

- Notou no lugar onde mora? Na sua filha? Kenneth, você não nota nada, só o trabalho. Só nota quando é para criticar algo.

Voltei para casa me sentindo péssimo; estava me sentindo completamente vazio. Provavelmente Katarine tinha saído da Itália e levado Camile para longe de mim. Bati a porta com força e deixei a escuridão da casa me tomar também. Eu era Kenneth Walker; um crítico agora solitário e abandonado. Tinha 27 anos apenas, e se eu pensar na minha vida não lembro de muito além de ficar escrevendo críticas para uma coluna no jornal. Eu não era atencioso, gentil ou social, e foi por isso que Katarine me deixou.

Fui para o quarto e fechei meus olhos, deixando minha mente em branco, do mesmo jeito quando acordei.

Incógnita: Deixe-o irOnde histórias criam vida. Descubra agora