Capítulo 15

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Ficamos até tarde da noite tentando fazer Kenneth mexer algo, mas nada dava jeito. Ele ainda sentava sobre qualquer móvel, e passava através de outros. Eu não entendia o que se passava na cabeça de fantasma dele, só sabia que ele tinha que mexer alguma coisa.

Depois da meia noite, eu me joguei na cama completamente exausta. Kenneth ficou diante da minha estante tentando mexer algum livro dela e trazer para mim. Ainda bem que não queria ler nada urgente.

— Chega. — eu disse — dá um tempo.

— Não tenho tempo, garotinha — ele retrucou, tentando pegar outro livro — Eu não posso esquecer quem eu sou. Eu não quero vagar eternamente como uma alma vazia e ruim!

— Kenneth... — chamei e ele me olhou. Um olhar triste e furioso — Para com isso. Eu não vou deixar isso acontecer.

—Laysla, talvez nem tenha nada. Tommy nunca vai confessar — ele se sentou — E se isso for o meu destino? O meu castigo?

— Então será o meu também. — falei e ele deu uma risada fria — Condenada a assistir você passar por isso. Eu mereço?

— Me desculpe, Laysla — ele suspirou

— Ei... — fui até ele e me ajoelhei, olhando para seus olhos. Peguei suas mãos, sentindo um calafrio ao sentir a textura sólida como algodão — Vamos conseguir. Estamos bem perto.

— Gosto quando me toca — ele ergueu nossas mãos e as fitou — Eu sinto, e até parece que não tem nada de ruim. Me sinto...bem.

Meu coração entrou em descompasso. Como o destino podia ser tão cruel ao ponto de me tirar alguém tão doce? Eu poderia ter mudado ele. Eu poderia ter tornado ele alguém melhor.

Ele olhou para mim e tocou meu rosto. Meu ar se foi e eu fechei os olhos; era real, porque ali, de olhos fechados, eu conseguia acreditar que estava vivo, e que nós tínhamos uma chance.

Mas eu sabia que não. Ele se fora, e eu não tinha mais chance de me amar alguém, não tanto como amaria Kenneth; não tanto como Lira e Elias. Perdi minhas chances, eu o deixei ir.

— Melhor você ir dormir — Kenneth afastou a mão e eu abri os olhos, contemplando seu semblante.

— Amanhã vamos treinar mais. — fui para cama — Você vai mexer algo e vai assustar todos.

— Boa noite, Laysla — ele riu, uma risada de verdade.

Adormeci e acordei com a luz do sol, e com a sensação vaga de que havia sonhado com algo. Não lembro. Me ponho de pé e vejo Kenneth tentar abrir a porta.

— Bom dia — falei, e ele não me olhou — Está aí desde quando?

— Eu não preciso dormir — ele continuou tentando

— Então tá — dei de ombros, empurrei ele e abri a porta. Ele se equilibrou, e me encarou com uma carranca.

— Não faça isso — ele mandou

— Desculpe — eu ri

— Engraçadinha. — ele revirou os olhos

No andar de baixo, minha avó estava tricotando e nem notou quando chegamos. Eu preparei meu café e fiquei olhando Kenneth tentar mexer a mesa. Eu não queria rir, mas sua cara de concentrado era engraçada. Ouvi o sino da loja e me levantei; minha avó sorriu para mim quando passei por ela.

Um homem de cabelos loiros e roupas casuais olhava a loja. Seu olhar pousou sobre mim e então ficou ainda mais sério.

— Bom dia. — disse com um sorriso forçado

— Laysla Agarelli? — ele perguntou

— Eu mesma — respondi

— Você não faz parte de nenhuma faculdade de jornalismo — o homem se aproximou e eu tremi — Por que estava fazendo perguntas sobre Kenneth?

— Quem é você? — dei um passo para trás.

— Cunhado de Kenneth — ele cruzou os braços — Antes dele morrer, é claro.

— Ah... — engoli em seco — Irmão de Katarine.

— Acho que você não é íntima de minha irmã. E se fala assim é porque está muito familiarizada com nossa família. O que quer revirando a historia de Kenneth?

— Quero saber quem o matou — respondi sem medo

— Por quê? — ele rosnou — acha que isso é um jogo de detetive? Acha que não tem alguém aí fora que não quer que isso seja descoberto?

— Se isso é um jogo, digo que você é um suspeito — falei

— Escute aqui... — ele bateu no balcão com força e eu saltei — Não venha inventar coisas das quais não conhece. Eu nunca gostei de Kenneth, mas matar ele não me daria prazer.

— Então o esposo da sua irmã seria um bom suspeito — cuspi

— Talvez, eu não sei — ele apontou para mim — Só sei que quem fez teve motivo. Kenneth não era a vítima. Ele era o vilão que todos querem morto.

— Não fale assim dele! — berrei , ficando bem próxima do sujeito — Kenneth é bom! É gentil, e só sofreu demais. Nunca encontrou alguém que o fizesse sentir algo bom. Ele não merece isso!

— Ele está morto! — o sujeito gritou — Você é louca? Quem é você?

— Alguém que vai olhar fundo nos olhos do assassino e pedir a confissão. Não quero briga, nem cadeia. Só quero a confissão.

Os olhos dele brilharam e ele deu um passo para trás.

— Você não vai conseguir — ele afirmou — esse caso já foi encerrado, e isso não tem mais importância. Você não chegará a lugar algum.

— Isso é o que vamos ver — rosnei

— Você é uma garota interessante. Irritante, mas interessante.

Ele sorriu perigosamente e então saiu. Eu soltei o ar e me virei. Kenneth estava na soleira da porta, olhando para mim de um jeito diferente. Um olhar fascinado, descrente e... apaixonado.

— Kenneth? — chamei e cruzei os braços — O quanto você ouviu?

— Bom... — ele se aproximou de mim e sorriu. Eu corei — Sou gentil, sou bom...

— E muito mais... — murmurei

— E muito mais — ele riu e tocou meu rosto — Acha mesmo?

— Você vai descansar — prometi — Nem que eu tenha que ir ao inferno buscar essa confissão.

Num minuto eu estava falando, no outro, Kenneth me beijava. Um milhão de coisas passaram por minha cabeça, e eu senti algo explodir dentro de mim. Eu podia sentir Kenneth perto, não de um jeito quente, mas de um jeito macio e suave, como uma brisa leve de inverno. Seus lábios eram como a seda que trisca suavemente os lábios. Não era quente, nem feroz, mas era real. E eu sentia, sentia com todo meu amor. Recuei até bater com as costas no balcão, seus braços vieram para o redor da minha cintura, e eu ouvi algo cair no chão.

Nós saltamos e olhamos para o lado; o caderno que estava ao lado do braço de Kenneth caiu. Estava no chão.

— Não acredito. — olhei para ele sorrindo — você mexeu o caderno.

Incógnita: Deixe-o irDonde viven las historias. Descúbrelo ahora