Capítulo 7

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Acordei como se não houvesse dormido; na verdade, nem lembro o que houve. O dia já estava claro e as horas já haviam passado demais; era tarde, e eu nem havia me dado conta. Saltei da cama e tomei um banho, eu não sabia se Laysla estaria olhando o mar agora, mas eu fui para lá. E ela estava.

Suas roupas estavam suaves; um vestido florido e os cabelos amarrados. Ela olhava para o horizonte, com um copo de café em mãos. Caminhei até ela, e com uma tremida ela me olhou. Sua expressão era assustada, mas confusa.

— Oi. — sentei ao seu lado — Te assustei?

— Não. — ela riu. — esperava que viesse aqui.

— Já estou previsível?

— Um pouco. — ela deixou o copo de café no chão e olhou para mim, estendendo sua mão no ar — Vamos dá uma caminhada?

Olhei para sua mão.

— De mãos dadas? — indaguei

— Tem algum problema tocar em mim? — ela desafiou

Eu franzi o cenho e toquei nela. Sua mão se encaixou na minha, de forma perfeita. Ela parecia surpresa e meio aliviada.

— Que besteira, hein, vovó — ela sussurrou

— O que? — estava confuso.

— Nada. — ela riu — vamos passear.

Ela me puxou, e fomos andando de mãos dadas. Não me sentia estranho em andar de mãos dadas com ela, sentia até um calor no coração.

— Você está bem? — perguntei

— Eu não dormi bem. — ela disse, e suspirou — fiquei pensando no fato de você não ter outros amigos.

— Nunca me importei com alguém para me tornar amigo. — dei de ombros

— Kenneth...— ela me olhou — o que você faz quando não está comigo?

— Fico em casa. — dei de ombros — Andando pela casa, escrevendo e eu durmo.

— Ainda tem dormido mal? — ela indagou

— Sinto que não durmo ainda.

Ela olhou para frente e depois para nossas mãos juntas. Era estranho como ela estava hoje.

— Você tá bem mesmo? — perguntei

— Ontem aconteceu uma coisa...— ela olhou para mim — minha avó é espírita.

— Isso aconteceu ontem?

— Não! Cala essa boca e escuta — ela parecia nervosa — Minha avó disse que você... que você está morto.

Franzi o cenho, e senti um frio estranho me atravessar. Apertei a mão dela, e ela sentiu isso.

— Como? — ergui nossas mãos no ar e ela se encolheu — Como pode ser verdade?—quase ri — estou tocando em você.

— Eu sei. — ela assentiu — eu pedi para você me tocar para me garantir...mas minha avó falou que você...

— Sua avó é louca — disse

— Não! — ela soltou minha mão — Ela te olhou de um jeito diferente, falou... eu não sei...

— Eu não estou morto. — afirmei

— Então por que ninguém fala com você? Ou te olha? Ou pra mim... ninguém nunca me viu com você.

— A gente sai para lugares bem movimentados — apontei para nossa volta — Ou você não tem muitos amigos também.

— A cafeteria! A lanchonete! — ela quase gritou

Senti meu estômago se agitar.

— E seus vizinhos? Eles estão do mesmo jeito? As coisas estão iguais? — ela empalideceu — Ah, meu Deus! E sua esposa! E sua filha! Não é estranho sumirem assim?

Tudo pareceu girar. Eu comecei a andar de costas, e ela ficou assustada.

— Kenneth... — ela chamou

— Eu não tô morto. Eu não morri...—comecei a correr para alguma rua movimentada

— Kenneth! — ouvi ela gritar

Continuei correndo; minha cabeça pensou na árvore crescida, nos vizinhos faltando, no carro que não parou, o garçon que não me atendeu. Me coloquei no meio das pessoas e ninguém parou para me olhar, ninguém olhou para mim.

— EI! — gritei em voz alta, e a multidão nem piscou — Alguém!! Olhem para mim!!!!

— Kenneth!! — Laysla surgiu ali, e algumas pessoas olharam para ela.

Abri os braços, e duas pessoas passaram por mim, direto por mim. Sem toque, sem nada, apenas me atravessaram feito um holograma.

— Kenneth... — Laysla sussurrou, completamente espantada.

— Eu...eu morri — disse, me sentindo tonto.

Laysla me puxou dali para longe, e eu permiti que ela fizesse isso; ela me levou para sua casa, direto para seu quarto. Sua mão na minha era real, ela não passava por mim, ela tocava, como se eu fosse solido. Me sentei na cama, e fiquei impressionado em ver que tudo era a mesma coisa, mas agora eu não tocava em nada; não conseguia fazer o que eu fazia antes. Laysla sentou numa cadeira e me observou enquanto eu tentava abrir a porta.

— Eu já fiz isso antes...já fiz. — disse baixinho.

— Eu vi...— ela falou — mas...não ouvi som algum.

— Quer dizer que eu imaginei tudo? — olhei para ela —Todas coisas que eu fiz? Pagar pela erva. Comer o jantar, escrever e...

— E dormi. — ela fechou os olhos, e derramou umas lágrimas.

Sentei novamente na cama. Eu podia notar os furos; os saltos de tempo. Eu estava assustado.

— Como isso aconteceu? — eu murmurei e olhei para Laysla — e por que eu posso tocar em você?

— E por que só eu vejo você? — ela suspirou

— Sua avó. — me levantei — ela sabe.

— Minha avó...

— Vai dizer que não acredita nela agora — quase gritei.

Laysla se encolheu, pensou por um momento e se colocou de pé.

— Vamos falar com ela.

A velha estava sentada na mesa da loja. Ela virou quando Laysla e eu entramos na sala.

— Ah, olá. — ela sorriu

— Queremos uma consulta. — disse

— Como assim? — ela olhou para a neta

— Kenneth morreu. — Laysla pegou minha mão e sua avó quase caiu da cadeira — e eu posso tocar nele; posso ver ele. Só eu.

— Isso não é normal. — ela afirmou — Toques...

— O que isso significa? Por que eu? — Laysla perguntou

— Sentem. — ela mandou

Sentamos lado a lado; ela pediu nossas mãos e nós demos. Ela nos fez dar as mãos e então fechou os olhos. Senti minha mente trabalhar; eu não acreditava em nada disso, mas eu estava morto. A mão dela tocava a de Laysla, mas passava pela minha.

— Vocês tem uma ligação... — ela murmurou — Vocês são ligados.

— Como? — quase gritei — Eu não conheço ela. Nunca a vi!

— Não nesta vida. — ela abriu os olhos — suas almas se encontraram em outro tempo, com outros nomes... — ela olhou para a neta — sua vida passada, querida.

— Na minha vida passada...? — ela murmurou

— Vocês se conheceram como Elias e Lira.— ela disse

Laysla e eu puxamos nossas mãos ao mesmo tempo, e trocamos olhares nervosos. Ela era a Lira que minha esposa mencionou, e eu era o cara morto em seus sonhos.

Incógnita: Deixe-o irOnde histórias criam vida. Descubra agora