Capítulo 5

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Na minha casa vazia e silenciosa eu pensava no dia que passei com a garotinha. O sorriso vinha automaticamente aos lábios quando pensava nela irritada ao chamá-la assim.

Garotinha...

Andei por todos os cômodos, desejando achar alguma foto de Camile ou de Katarine, mas eu não achei nada. Era tão doloroso saber que elas sumiram mesmo da minha vida, como se eu tivesse morrido para elas. Sentei no sofá da sala e fitei o céu noturno através da janela. Tentei pensar em um momento bom com elas; um momento no qual eu deixei o trabalho por elas, mas não houve nada, nenhuma lembrança assim. Era tão horrível pensar nelas e ver que eu nunca fiz questão de manter ambas próximas; será que sempre fui tão confiante ao ponto de achar que nunca iria perdê-las?

Subi os andares de escada e me joguei na cama, fechando meus olhos logo em seguida.

Acordei como quem acaba de dormir. O cansaço ainda estava ali, e eu simplesmente me obriguei a seguir. Tomei um banho e troquei de roupas, sem nem mesmo notar que peças eu escolhi. Saí de manhã cedo, disposto a tomar um café em um lugar diferente. Caminhei pelas ruas quase vazias, passei ao lado de duas pessoas conhecidas; uma delas foi Tommy, um colega que já havia jantado comigo e Katarine, porém ele passou por mim e não disse nada. Continuei andando, e sentei em uma mesa qualquer. Fiquei ali, esperando ser atendido. O dia estava ensolarado, calmo e um saco. Olhei para os gaçons atendendo os demais e não vindo até mim. Me levantei furioso e pronto para um confronto matinal quando ouço uma voz ressoar.

— Kenneth?

Viro o rosto, cruzando olhares com dois olhos mel.

— Laysla...— disse espantado — está me seguindo?

— Claro. — ela cruzou os braços — Porque sua vida é muito interessante.

Semicerrei os olhos. Ela tinha um jeito irritante de ser, mas não me importei com isso.

— Você ia jogar a mesa nos garçons? — ela perguntou

— Só quero um café. — disse, frustrado.

— Bom dia — Laysla chegou saltitante num dos garçons — pode me trazer dois cafés, por favor?

— Claro, senhorita — o arçon sumiu dentro da cafeteria.

Ela me olhou de um jeito superior e eu revirei meus olhos, sentando na mesa.

— Ser educado ajuda. —ela sentou diante de mim

— Obrigado — bufei

— Deveria ter sido gentil com eles.

— Se eles tivessem vindo até mim, quem sabe?

— Como está se sentindo? Vejo que seu humor não mudou com uma noite de sono.

— Eu nem sei se estou dormindo.

— Todo mundo dorme. — ela bufou

— Mas eu não sinto que durmo.

— Que estranho. — ela sussurrou

— E você? Tem dormido? — perguntei

— Um pouco. —ela juntou as mãos sobre a mesa — Tenho uns sonhos estranhos, algumas vezes eu não lembro, só tenho a sensação. Outras vezes eu me vejo em uma rua escura com um corpo jogado no meio dela. Ouço um tiro, um grito e depois eu acordo.

Franzi o cenho. Parecia uma novela.

— Que estranho. É normal você ser esquisita?

— É normal você ser um bundão? Ah! Espera! É, sim, você é crítico!

— Nem todo...

— Tá. Tá. Me engana que eu gosto — ela bufou

Eu sorri, e ela desviou o olhar. A luz do sol derretia o mel nos olhos dela, e corava suas bochechas salpicadas. As duas xícaras de café chegaram e o garçon sorriu para ela e se foi, sem me olhar.

— Educação. — bufei

— Ah, para. — ela deu um gole em sua bebida, e seus lábios ficaram rosados com o calor.

Eu não deveria olhar para a boca dela, era errado.

— Que foi? — ela perguntou

— Nada. — disse — Somos amigos? Porque a gente não se conhece.

— Podemos nos conhecer. Assim nos tornamos amigos.

— Simples assim?

— Você não tem muitos amigos, né?

Olhei para minha bebida e não senti vontade de tomar ela.

— As pessoas que eu achava conhecer nem olham para mim. Você, mesmo ainda sendo uma desconhecida, é a única pessoa real na minha vida.

— Você só conversa comigo? — ela parecia impressionada — Uau.

— Parece que fazem anos. Parece que eu dormi por anos.

— Isso acontece quando você se isola e só vive para o trabalho.

— Vai me criticar?

— Você acha ruim? — ela sorriu. Um sorriso superior e divertido que me fez sorrir também

— Você é uma figura. — disse, e olhei para minhas mãos.

— Somos amigos. Eu serei sua amiga. — ela tomou mais café.

— Mesmo eu sendo um bundão?

— Mesmo assim. — ela corou

Ela olhou para o horizonte e jogou umas notas na mesa, pagando a minha bebida e a dela. Depois se pôs de pé e olhou para mim.

— Vamos andar? — ela convidou

— Não tem que ir para sua loja?

— Minha avó está lá. — ela chamou — vamos.

Me pus de pé e segui ao seu lado. Andamos pelas ruas falando sobre muitos assuntos. Às vezes ela me ofendia, mas eu já estava me acostumando. Viramos numa esquina e entramos numa rua larga cercada por arvores. Eu parei abruptamente e senti uma pontada no peito; Laysla não disse nada, pois estava com uma mão no peito como se sentisse o mesmo que eu; o ar ficou mais carregado, e tudo parecia estar frio.

Minha cabeça pareceu sofrer uma quebra de tempo, pois minha lembranças pareciam se misturar.

— Ai...— caí de joelhos

— Kenneth? — Laysla abaixou, parecendo igualmente abalada.

Os pensamentos ficaram mais confusos, e eu só consegui pescar uma coisa no meio daquilo tudo.

— Lira...— sussurrei

— Quem? — Laysla perguntou

— Boa pergunta. — disse

— Vamos. — ela me ajudou a levantar — vamos sair daqui, estou sentindo uma dor no peito.

— Lira...— sussurrei mais uma vez

— Quem é Lira, Kenneth?

— Não sei. — olhei para ela

Os olhos mel dela. Eu tinha certeza que eles estavam no meio da minha confusão de pensamentos.

— Vamos sair daqui. — ela chamou mais uma vez.

Seguimos caminho para longe daquela estrada.

— Você sentiu algo? — perguntei — além da pontada?

— Pude jurar que ouvi um nome...— ela me olhou — que eu já estive aqui. Eu estou com uma sensação estranha.

— Como assim?

— Eu acho que é com essa estrada que eu venho sonhado. E acho que o cara que fica jogado na rua se chama Elias.

Franzi o cenho e me senti desconfortável; eu não sou de acreditar em coisas do tipo, mas tanta precisão em nomes não podia ser qualquer coisa.

— E quem é Lira? — ela perguntou

— Não faço ideia. — afirmei, mesmo que minha mulher já tivesse mencionado este nome.

Incógnita: Deixe-o irOnde histórias criam vida. Descubra agora