Capítulo 11

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Percebo a porta abrindo, um marmitex sendo deixado na cama, mas não tenho fome, tenho ânsia de vômito, isso sim, cada vez que me lembro da mãe falando daqueles dossiês e de como eles tinham que me proteger. Das muitas vezes que tentei lutar e ela pedia minha compreensão. Só mais esse ano filho, ela dizia a cada ano que começava. Lembro-me dos colegas que haviam passado, das garotas bonitas, gostosas, dos rapazes que eu olhava disfarçado, de tantas festas que nunca fui, dos acampamentos que eles passavam semanas comentando depois. Das apresentações em grupo, onde pareciam cúmplices de momentos divertidos; minhas notas eram melhores, meus trabalhos muito melhor apresentados, mas eram como uma punheta solitária. Lembrei-me do barzinho ao lado da faculdade sempre cheio, sempre tão animado.

Ele estudou comigo? Alguém do último período, fazendo poucas matérias, quem será? Depois que percebi que não iria mesmo me envolver, procurei me afastar deles todos, assim não criava expectativa. Provavelmente nem o vi.

Nem vejo quando a porta é novamente aberta, o marmitex retirado e deixado um Bigmac com coca que também não é mexido.

Durmo perturbado por pesadelos terríveis, onde via meus pais rindo, eu afogando em papeis que se convertiam em sangue quando tentava tirá-los de cima de mim. Outra hora estava sozinho em algum lugar cheio de gente, mas não podia ouvi-los, nem eles me viam, acordava assustado, me virava naquela cama gelada e pedia que tudo não passasse de um pesadelo.

Acordo apertado para ir ao banheiro e quase piso nele, sentado no chão, encostado na cama.

- Tem um sanduíche novinho, você deve estar com fome - ele diz.

- Sai e pode levar o sanduiche também - digo indo para o banheiro.

- Escuta, sei que deve ser difícil, mas é melhor saber não acha? Não tem como mudar o passado, seu presente é este, cárcere privado, mas o futuro você pode mudar. Não vou dizer que pode confiar em todo mundo. Você tem dinheiro pra caralho, mais do que qualquer um que eu conheça, sempre vai ter alguém de olho nele e em você, por causa dele. Não conheço ninguém com duas Ferraris na garagem, só por exemplo - ele tenta brincar.

- Três, digo lavando meu rosto. Ganhei mais uma semana passada, ou há duas atrás. Quanto tempo estou aqui?

Ele não responde.

- Eu e o Lipe sempre éramos convidados para tudo, claro que sabíamos que era por causa das garotas que levávamos, mas a gente aproveitava também. Tinha até fila para entrar nos nossos grupos. Nosso pai errou tanto quanto os seus. Só que pelo motivo oposto. Quando minha mãe entrou no quarto para me chamar para a escola e me viu na cama nu com meu namorado gritou o pai e disse que aquilo era pecado, que o padre não ia aceitar. O pai ficou puto com ela. Disse que aquele padre idiota não mandava na casa dele. Eu punha na minha cama quem eu quisesse, se ela não gostava que saísse. Mulher ele arrumava quantas quisesse na esquina. Desde esse dia e até ser preso e morrer ele punha duas piranhas toda noite na cama dele. Dizia que não gostava da cama fria. Sempre se levantou cedo e quando saia deixava as garotas para nós três. Capricha com esse, ele me apontava, precisa aprender a gostar de mulher. Piranha lá em casa era igual coca cola na geladeira, sempre tinha pelo o menos uma.

- Nunca mais entrou leite lá em casa. "Querem o que no café da manhã?" Ele nos perguntou logo que a mãe saiu. Imagina o que três garotos escolheram? Quer ficar sem banho, tudo bem, quer comer um saco de batata frita com coca no almoço, tudo bem. Não quer ir a aula, repetiu o ano, bateu no vizinho, matou o cachorro do outro, não interessa o que fosse, sempre estava tudo bem.

- Quando nosso irmão mais velho começou a se drogar, todo mundo falava que ele estava exagerando, falei com o pai, ele disse para não me meter, a vida era dele. Quando ele teve uma overdose o pai disse que era a vida. Se ele era fraco, era melhor mesmo morrer. Um dia cheguei no quarto e o Lipe estava cheirando aquela merda. Dei tanto nele, batia e chorava ao mesmo tempo. O pai tentou interferir, eu mandei ele sair, senão quem ia apanhar era ele. Disse para o Lipe que ele estava se matando igual o Nando fez e que não ligava para o que eu sentia. Só parei de bater quando perdi as forças. Ele sempre foi melhor de briga que eu, mesmo sendo mais novo, mas nesse dia ele apanhou calado, só chorando. Tem um bar ao lado de casa, fui para lá e depois de um tempo ele chegou, estava sangrando ainda e me abraçou, ficamos assim muito tempo, ele prometeu que nunca mais usava droga. O pai passou e viu, disse que era coisa de viado e saiu rindo. O Lipe morreu 14 anos depois, sem nunca mais ter usado nada.

O Refém (livro gay)Where stories live. Discover now