IX

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- O que Temple está fazendo?

- Ajudando o homem a recuperar a calma. - Foi a resposta simples de Bourne
Georgiana grunhiu e praticamente gritou
- Ajudando? Ele está levando James para o ringue!
- Exatamente. - Cross serviu uísque para West e Bourne – Aquele homem precisa extravasar. Ele tem muita tensão acumulada.
- E não poderia ser de uma maneira mais civilizada, querido? - Perguntou Pippa, aceitando a cadeira que o esposo lhe oferecia.
- Há duas maneiras eficazes de um homem extravasar energia: uma é aquela ali... e a outra, bem, eu desconfio que nem Georgiana nem West estejam muito propensos a permitir.
Georgiana revirou os olhos e West bufou, mal humorado. No ringue, James desviava dos golpes de Temple, ao mesmo tempo em que tentava acertar o gigante.
- Eu estou sinceramente surpreso, imaginei que Temple derrubaria Reddich em menos de dez segundos. Por sorte não apostei.
- Não se deve subestimar um homem apenas porque ele é mais contido, Michael. – Penélope observou, sorrindo para o marido.
- Não tenho certeza se as intenções de Temple são assim tão nobres. – Mara falou, com um sorriso travesso. – Ele não ficou nada feliz em encontrar o conde com Caroline sozinhos.
- Não aconteceu nada! – Caroline precipitou-se em garantir. Olhares descrentes e sorrisos maliciosos a encararam. – Mãe, não deixe que Temple bata nele. Eu juro que não aconteceu nada.
- O conde não foi forçado a ir para o ringue, minha filha, deixe que ele passe um momento com Temple. - Duncan disse, puxando a filha para mais perto da parede de vidro.
Caroline olhou para o pai e viu que ele parecia bastante satisfeito com a situação. Se não fosse Temple no ringue, provavelmente James apanharia de outro homem naquela noite. 

Caroline franziu o cenho e se limitou a assistir à luta. James era rápido e conseguia desviar dos golpes de Temple. O gigante sorriu quando ele quase o acertou no queixo. Era impensável para ela, mas eles pareciam estar se divertindo.

Se alguém lhe contasse, não acreditaria que assistira uma luta entre o duque de Lamont e o conde de Reddich no ringue do Anjo Caído.
...
Mais tarde, na Townsend House.

James estava em seu escritório, acomodado em sua poltrona favorita com um copo de whisky na mão. Ele não gostava de beber, não se lembrava de alguma vez em seus trinta anos de vida ter ficado embriagado, mas se havia uma noite para recorrer ao álcool aquela certamente era a noite adequada.
Dera uma surra em um homem durante o baile de um duque, desafiou outro homem para um duelo, beijou uma dama dentro de uma alcova escura no cassino mais famoso de Londres. Lutou em um ringue com o duque de Lamont.
Deveria se embriagar e acrescentar isso à lista de coisas que fez depois que se envolveu com Caroline Pearsons.
Ainda não conseguia acreditar que a agarrara daquele jeito. Estava furioso com as fofoqueiras de Londres por terem difamado o nome de Caroline. Estava furioso com a marquesa por ter mais uma vez se metido em sua vida. Estava furioso com Oxford por ser um beberrão estúpido. Estava furioso consigo mesmo, por não negar quando ela o acusou de culpá-la pelo escândalo.
Mas nenhuma dessas coisas que o aborreciam tanto justificavam tê-la beijado.
Era fácil ler o rosto dela. As emoções estavam todas ali, esperando apenas um observador atento, um leitor interessado. A mágoa por acreditar ser culpada de toda aquela situação estava estampada em seus olhos, marcando o desânimo em sua voz, quando desistiu de discutir.
Ele a magoou e ainda assim, a agarrou daquela maneira.
Portou-se como um rapazote de 16 anos!
Deveria agradecer à Temple pelo olho roxo.
Tomou um longo gole da bebida. Desceu queimando sua garganta e ferindo seu estômago. Dor era bom. Poderia concentrar-se na dor e assim esquecer aquela noite desastrosa.
...
Foi a primeira vez que Caroline passou uma noite totalmente em claro.
Escutou todos os sons que vinham das ruas.
Escutou os sons silenciosos da noite, gatos miando, madeira rangendo, cachorros latindo ao longe.
Escutou quando a cidade despertou, as carroças e os trabalhadores executando suas atividades rotineiras.
Também escutou quando a casa despertou. O barulho baixo dos criados.
Viu quando os primeiros raios de sol invadiram o quarto, expulsando a escuridão.
Teve pena daqueles que não dormiam bem.
Sentia-se um trapo velho!
Ela concentrou-se o máximo que pôde em tudo ao seu redor para fugir de seus pensamentos. Como se fosse possível fugir de si mesma...
Deus!
Sua primeira temporada havia sido tão tranquila. Conheceu pessoas, dançou, fez amizades. Não se apaixonou, mas não havia problema. Não era como se ela tivesse pressa para casar-se.
Essa temporada certamente estava sendo o oposto.
Como sua vida desandou daquela forma em tão pouco tempo?
Desde que se envolvera com alguém que não a merecia.
E se Matthew tivesse agido de forma diferente naquela noite no jardim?
Certamente não haveria escândalo algum.
Ou se ela tivesse agido diferente no jardim...
Quando Matthew a beijou no jardim não estava preparada. Certamente já nutria sentimentos por ele, entretanto, ainda não estava segura, sua intuição avisava que não era o momento. O medo de que fossem vistos era maior do que qualquer desejo de estar com ele. De ser arruinada e ter que casar-se para conter o escândalo.
Bem diferente de como portou-se com James no Anjo Caído...
No clube não havia o perigo do escândalo, isso era certo. Mas James não sabia disso. Não sabia que de todos os lugares em Londres o Anjo Caído era o mais seguro.
James não sabia quem era Chase.
Sabia que era culpada de toda aquela situação, por mais que seus pais dissessem que não. Mesmo essa consciência não conseguiu evitar a mágoa quando James não discordou.
Não deveria estar surpresa, tampouco magoada. Ele era o maior prejudicado naquela história. Ele viera para Londres encontrar uma nova esposa e acabou envolvido em um escândalo, sendo obrigado pela honra a pedir a mão de uma dama a quem não tinha escolhido.
De fato, o conde tinha toda razão para a fúria.
Então por que ele a beijou?
Foi tão rápido. Em um momento estavam discutindo e no seguinte ela estava nos braços de James.
Não era tão inocente a ponto de não saber sobre desejo, que querer alguém não significava gostar ou estar apaixonado pela pessoa.
James a queria. Ela sentiu o desejo dele, não apenas metaforicamente. O desejo foi a motivação dele.
Quanto a ela, seu comportamento foi mais do que questionável. Foi tudo tão inesperado, sequer teve tempo de pensar, apenas reagiu. Quando escutou a voz de Temple tão perto de onde estavam e despertou do torpor, tomou consciência do erro que estava cometendo. O deleite foi substituído pela mortificação. Não pôde encarar James e não sabia se algum dia poderia.
Esperava que Lizzie compreendesse que não poderia mais ser sua dama de honra. Não esperaria mais. Era hora de deixar Londres.
...
James tentou conter a curiosidade enquanto cumprimentava o Magistrado Trentham. O homem praticamente nunca saía de sua casa em Lancashire, não escondia de quem quer que fosse o quanto detestava Londres.
- Que bons ventos o trazem à Londres? – James perguntou.
- Infelizmente um homem não pode abster-se de vir à Londres pelo menos uma vez ao ano. – O marquês respondeu com seu costumeiro aborrecimento.
O marquês ganhara a posição de magistrado graças à influência do sogro do primeiro casamento. Ser magistrado na região de Lancashire era uma tarefa simples, que Trentham executava sem negligência tampouco com demasiada dedicação.
- Espero que esteja tudo bem em Lancashire. – James falou.
- Sim, está tudo calmo como deve ser. – Trentham respondeu – Certamente menos turbulento do que a temporada londrina, pelo o que eu soube.
James apenas assentiu com a cabeça. Era fácil adivinhar o que o marquês soubera. Não duvidava que a marquesa houvesse enviado uma missiva para o marido, a fim de contar-lhe todas as fofocas envolvendo seu nome.
- Eu estava em Surrey, visitando um tio que está convalescendo, quando recebi uma missiva de Margareth. Ela está bastante preocupada com certos... acontecimentos.
- Minha sogra visitou-me e eu esclareci tudo acerca dos infelizes boatos. Como o senhor bem entende, a temporada de Londres não parece ser suficiente para a distração da aristocracia, por isso os boatos demoram tanto para arrefecer. – James disse.
- Parece-me que não são apenas os boatos que devem preocupar minha Margareth. – O marquês franziu o cenho olhando para o rosto de James.
Embora o cozinheiro tivesse preparado um unguento o olho de James ainda estava ligeiramente inchado e ostentava um estranho tom de azul. Se tivesse que dizer a alguém sobre sua saúde ele diria que não se sentia nada bem, tinha certeza que estava pálido, cortesia da garrafa de uísque que tomara quando voltou do Anjo Caído.
James permaneceu em silêncio. Era melhor fazer-se de desentendido.
- Confesso que estou surpreso de você ser sócio desse cassino.
- Não sou. – James apressou-se em esclarecer.
- Sabe, Reddich, sempre acreditei que você era um homem honrado e digno. Diferente de seu pai, se me permite dizer. Mas todos esses boatos estão prejudicando sua reputação. Embora muitos nobres acreditem poder viver indolentemente, um título traz responsabilidades. Você é um conde, tem suas obrigações com o título, com o condado, além das obrigações com sua filha. Você, meu rapaz, adiou muito à procura por uma nova esposa. E não me refiro a essas mocinhas deslumbradas que encontramos em salões de bailes. Uma viúva ou uma dama um pouco mais velha. Isso sim seria uma bela opção para você.
James apenas assentiu.
Mas o marquês não terminara ainda.
- Deveria aceitar o convite de Margareth e ir passar uns dias conosco. Você e a pequena Nicole. Deixar esses boatos para trás. Margareth tem sobrinhas. Você pode escolher entre uma delas.
- Não pretendo deixar Londres por enquanto. - James respondeu, tentando não demonstrar o quanto aquela conversa o desagradava.
- Por causa da menina Pearsons, eu presumo. – O marquês não escondeu o desagrado ao referir-se à Caroline. – Eu não posso deixar de pensar o quanto essa situação é prejudicial para aquela casa que você e sua irmã mantêm.
James enrijeceu a postura, não estava gostando do rumo da conversa.
- Todo esse escândalo envolvendo seu nome... tudo isso chama atenção demais. Yorkshire está bastante afastada de Londres, entretanto é um risco para aquela casa e as famílias daquelas moças. Eu tenho concordado em permanecer em silêncio, pois sei que muitas daquelas mulheres não têm para onde ir, também por causa de Mary. Não sou um homem ingrato.
- Eu agradeço que tenha mantido isso em sigilo durante esses anos, Trentham. – James disse. – Quanto à sua sobrinha, fizemos por ela o que fazemos por todas aquelas que procuram a casa de Minerva.
O homem assentiu, concordando. James esperava que Trentham realmente não esquecesse o que Isabel e ele haviam feito por sua sobrinha. A mulher chegou à casa de Minerva acompanhada de uma criada. Tinha duas costelas quebradas e um olho roxo, de mais uma surra que levara do marido, o segundo filho de um conde.
A casa de Minerva era mais em Townsend Park. Eles construíram uma casa numa parte mais isolada da propriedade, Rock e Lara tomavam de conta do local, Isabel e Nick moravam em uma propriedade vizinha e estavam sempre por perto, assim como James.
Num golpe de má sorte do destino Margareth fez uma visita surpresa e não apenas descobriu a casa de Minerva como também descobriu que eles escondiam a neta de um duque. Ela não tardou em escrever para o magistrado Trentham, tio da dama, esperando que ele viesse buscá-la. Felizmente o homem se compadeceu da situação da moça e a ajudou a mudar-se para a Itália, onde tinha parentes distantes.
James não sabia como, mas Trentham convenceu o marido e a família da moça que ela o procurara e que à noite tirara a própria vida. Dias depois Isabel soube de boatos que a mulher pegara uma febre e morrera. Era a história que a família contava a todos. Não houve qualquer ligação com Townsend Park ou seus moradores.
Quanto à Margareth, conseguiu convencer Trentham de que sua única intenção era a proteção da pobre mulher. Não apenas o convenceu como em um mês os dois se casaram.
- Não sei se sua irmã conhece aquelas casas, podem ser chamadas de escolas. São semelhantes aos conventos católicos, ideais para abrigar essas moças. – O marquês prosseguiu – Manter uma casa como aquela é uma situação perigosa. Até agora vocês tiveram sorte em manter segredo. Pense no que você iria perder caso a existência desse lugar se tornasse pública. Deixe que a caridade seja exercida pela Igreja, afinal é para isso que pagamos nossos dízimos, não é verdade?
James conhecia aquelas "escolas". Há alguns anos eles haviam abrigado uma moça que fugira de uma delas. Estupro, humilhações, trabalhos forçados, esse foi parte do relato que a menina de 16 anos fez do lugar.
Nenhuma moradora da Casa de Minerva iria para um lugar como esse.
- Agradeço os conselhos e a preocupação, marquês, contudo, lhe asseguro que não é necessário. A casa de Minerva abriga somente moças sem família, sua sobrinha foi uma exceção. – James fez questão de frisar – Não há nenhuma ilegalidade acontecendo em Townsend Park. Quanto à mim, tive o infortúnio de ter meu nome envolvido em boatos, aos quais não pretendo dar importância excessiva.
Trentham encarou James com expressão bastante insatisfeita. Tinha impressão que o marquês esperava que seus conselhos fossem seguidos tal como ordens.
Depois que o marquês se despediu James pediu que selassem seu cavalo. Precisava falar com Isabel e St. John imediatamente.
A visita do marquês apenas comprovara que os seus instintos estavam certos em desconfiar do comportamento da marquesa. Sua sogra obviamente fizera a cabeça do marido.
...
- Oh, Lizzie, eu desejava mesmo falar com você.
- Psiu!
Elizabeth puxou Caroline encostando-a na porta fechada da sala de visitas.
Estava em seu quarto quando Antonia avisou que Elizabeth e lady Isabel haviam chegado para uma visita, vestiu-se rapidamente pois queria muito falar com amiga e explicar por que faltaria ao casamento.
- O que estamos escutando, Lizzie? – Caroline sussurrou, sem tirar os ouvidos da porta.
- Nossas mães. – Foi a resposta sucinta da outra. A jovem apenas franziu o cenho e continuou escutando.
- De todos os momentos, esse certamente foi o menos oportuno. – Georgiana falou. Caroline percebeu imediatamente a preocupação da mãe.
- Sinceramente, estou surpresa de que não tenha acontecido antes. A marquesa é uma mulher odiosa que se ressente por James não ter se casado com uma das damas que ela empurrou para ele, além disso sempre criticou a casa de Minerva. Se não a denunciou antes é porque sabe as consequências que traria para si mesma, sendo sogra dele. – Isabel disse.
- E quando James e St. John retornarão?
- Não sei. Eles devem acompanhar Lady Hardesty até Yorkshire. Mas não creio que ela fique por lá. Lorde Hardesty não descansará até encontrá-la. - Isabel respondeu.
- Acredita que Trentham diria a ele sobre a casa de Minerva?
- Ele não, mas a marquesa certamente. Estou voltando agora mesmo da casa deles. Ela foi buscar Nicole.
- Como? Quando?
- Acredito que no mesmo dia em que visitou James. Não sei o que ela imagina trazendo a menina para cá, e sem o consentimento dele. Chegaram hoje pela manhã. Assim que chegaram a ama de Nicole enviou uma missiva para meu irmão, mas como você bem sabe, ele não estava em casa. A governanta imediatamente me comunicou. Tentei levar a menina para minha casa mas a marquesa fez um teatro terrível e o marquês não ficou nem um pouco satisfeito por James não estar em casa. Menti que ele viajara a negócios.
- O que ela espera com isso? Georgiana quis saber.
- Certamente tentará convencer a criança a ficar com ela em Lancashire. Isabel respondeu, Caroline percebeu o cansaço em sua voz. – Estou pensando que deveríamos mudar a Casa de Minerva...
- Acredita mesmo que seja necessário?
- Não podemos arriscar, Georgiana. O magistrado está certo, todos nós temos muito a perder se aquele lugar for descoberto. Neste momento, meu irmão e meu marido estão levando a mulher de um visconde para se esconder lá. A lei diz que eles estão errados.
- Seja o que decidir, conte conosco para qualquer coisa...
Caroline afastou-se da porta, Elizabeth a seguiu.
- Lizzie, você sabe mais alguma coisa sobre isso?
Elizabeth assentiu. Ela escutara a conversa que os pais tiveram com seu tio James e contara tudo para a amiga.
A mente de Caroline girava.
A sogra de James era uma megera casada com um marquês magistrado que não apenas conhecia a casa de Minerva como queria fechá-la.
A filhinha de James estava em Londres, porque a odiosa avó queria convencer a menina a viver com ela, supostamente porque não conseguira casar uma de suas sobrinhas com o genro.
Caroline não podia negar o fato de que tudo isso só estava acontecendo por causa do escândalo em que ela envolveu James.
Deus! Aquilo só piorava a cada dia.
- Lizzie, venha comigo! – Caroline puxou o braço da amiga em direção às escadas. Precisava colocar um vestido adequado.
- Para onde vamos? – Elizabeth perguntou, praticamente correndo atrás da amiga.
- Visitar o marquês e a marquesa Trentham. – Foi a resposta simples de Caroline
- O quê? Elizabeth praticamente gritou.
- Mas primeiro iremos a casa do meu tio Simon. Eu preciso de um duque.  

O lado bom de um escândalo [COMPLETO]Where stories live. Discover now