Capítulo 22 - Outono

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 A viagem de volta para casa foi tranquila e rápida, nem parecia ser a mesma distância da primeira vez que tínhamos ido. Mas depois de tanto tempo na estrada ela pareceu dolorosamente parada e entediante. Pelo menos, é claro, quando comparada a viagem de ida - nada nunca iria chegar aos pés de viajar num trailer com um caçador de aliens ou em um carro rosa junto com uma senhora louca e seu marido fantasma.

 Marjorie, como sempre, estava tão bem que nem parecia ter quase morrido um dia atrás. Eu a deixei sentar na janela do avião, depois de muita discussão e uma luta de polegares (que eu deixei ela ganhar, claro) e ela não parava de apontar para coisas que estavam longe demais para serem vistas e dizer o quanto ela sentiria falta de Nova Iorque.

 Quando chegamos, a maior surpresa para nós dois foi que a minha mãe não me matou. Ela estava vermelha de raiva e ansiedade e suas palavras saíam atropeladas pela sua boca enquanto ela repetia que eu estava de castigo pelo resto da minha vida, mas parecia aliviada que eu estava finalmente em casa. E eu não conseguia ligar para o castigo,porque depois de tudo aquilo eu só queria voltar a mofar no meu quarto pelos poucos dias que me restavam em casa. 

 Apesar de tudo aquilo, ela parecia querer dizer alguma coisa a mais, e eu esperava pelo sermão que estava por vir, ou pela notícia de que ela tinha me colocado num colégio militar para adolescentes descontrolados ou algo do tipo. Mas assim que ela se acalmou completamente e parecia decidida em me dizer, ela desabou em lágrimas e começou a soluçar sobre como tinha ficado preocupada comigo, mas como era importante que eu tivesse feito aquilo por Marjorie, e como ela estava orgulhosa de mim mas também muito, muito furiosa por não ter lhe contado. 

 Eu não entendi muito bem no momento, mas pensando bem, foi ela quem insistiu que eu fizesse amizade com Marjorie, ela sempre teve um ponto fraco pela menina de cabelos castanhos. Além disso, eu não iria reclamar por minha mãe estar me agradecendo por eu ter feito uma coisa errada uma vez na vida, não é? 

 Marjorie também não foi assassinada pela sua mãe, embora agora tivesse que ir no hospital quase sempre para fazer exames e falar com a psicóloga, Doutora Ryans, por "pelo menos uma hora e meia!" o que, segundo ela, era mais chato do que parecia. 

– Você só tem que falar tudo o que você pensa e sente – Ela explicou, um dia desses. – É tipo o twitter. Mas ela fica lá, sem falar nada, me analisando como uma psicopata! É assustador. 

 Noelle e Arwin – que tinha finalmente pintado o cabelo de uma cor exótica e, ao invés de parecer o Billy Joe nos anos 90, parecia mais uma calopsita do circo - junto comigo fomos visit-á-la na sua casa quase todos os dias, porque agora sua mãe preferia não deixá-la sair como antes e também se sentia insegura deixando-a sozinha comigo, o que era compreensível mas um pouquinho injusto. E mesmo que sua mãe insistisse que aquilo ela era um castigo por ter fugido para Nova Iorque, Marjorie contou a Noelle que achava que sua situação estava ficando pior e sua mãe tinha medo que ela ficasse mal de novo e algo pior acontecesse.

 Ela também não voltou para a escola na mesma semana que nós voltamos, mas esperava aparecer na semana seguinte ou fugir antes de casa e ir para escola, o que Arwin achou uma completa falta de noção porque segundo ele, ela devia aproveitar cada semana sem escola que ela podia conseguir.

 Passei horas contando para Noelle e Arwin cada detalhe da nossa viagem, mesmo que eu tivesse esquecido da maior parte e tivesse que ficar indo e voltando na história toda hora porque Arwin tinha se perdido. Eu me sentia um avô ex-soldado contando a seus netos suas histórias de guerra. O único detalhe que eu não tinha contado era sobre eu e Marjorie, nossas conversas e tudo mais. É claro que Marjorie também era amiga de Noelle e Arwin, mas mesmo assim eu sentia que aqueles momentos eram pequenos e importantes e também eram só nossos, eu não devia compartilhá-los. E também queria poupar Noelle de começar uma nova onda de zoação comigo e com Marjorie, o que com toda certeza aconteceria. 

Marjorie e os 12 PorquêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora