Capítulo 3

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Três dias se passaram.

E eu já estava ficando entediada.

Não havia nada para fazer em Mylathow além das coisas básicas: comer, dormir, andar e ler alguma coisa. E desenhar, meu único talento que havia aprendido com meu pai.

Eu sentia falta da minha família a maioria das vezes, mas nunca demonstrava isso para não parecer fraca. As pessoas morriam, era o ciclo da vida. As funções dos vivos eram pensar que eles estavam em um lugar melhor. Me convenci disso a algum tempo.

Tinha ido muito ao jardim nesses três dias, observando cada planta medicinal e recitando mentalmente para o que servia cada uma delas, além de tentar descobrir os nomes das flores desconhecidas por mim. Era uma mania que peguei do meu pai e nunca sumiu. E minha parte preferida: escalar alguma árvore para pegar alguma fruta, só por diversão.

No momento em que fui morar no castelo, recebi uma educação elevada a que uma pessoa simples consegue. Uma família plebéia pode e deve colocar seus filhos na escola e os mesmos aprendem todos os contos e histórias do nosso mundo, a ler, escrever e controlar os poderes que possuem. Até a pessoa mais pobre tem o direito de aprender. E isso alegra o povo, não causa uma possível rebelião contra os governantes. O que é ótimo, uma guerra mataria muitas pessoas.

No castelo aprendi a ser uma dama recebendo aulas de etiquetas, onde aprimorei meu olhar para vestimentas de nobres e criei meu estilo, aprendi o básico da cozinha e dança. E no ano passado havia terminado minhas aulas de medicina, que foi interrompida quando deixei minha casa e foi retomada por uma curandeira do castelo — uma filha de curandeiros deve saber de todas as plantas que pode salvar a vida de uma pessoa e até aquelas que pode matar. Mesmo que essa filha não tenha poderes. E também havia feito aulas de combate, sendo tão próxima da princesa de Aradaik o Rei achou que eu tinha que saber me defender de um futuro ataque e então aprendi a lutar com o capitão da guarda da princesa, Andrew. Fui uma boa aluna e mantenho todas as lições que aprendi na mente.

Eu não tinha do que reclamar da vida. Mesmo tendo curiosidade para saber o porquê de ter sido tão privilegiada. Nenhuma outra pessoa conseguiria tais coisas mesmo um Rei sendo tão bondoso. E porquê eu conseguirá? Não podia ser só por causa daquele fatídico dia.

Há tempos não usava meus poderes, nem sabia se ainda existiam depois daquele incidente — e que foi a primeira vez que os usei —, e por isso estava um tanto desconfortável com os poderes das pessoas que moravam e trabalhavam no castelo.

O povo de Mylathow tinha poderes relacionados a mente e em muitos momentos me sentia mais observada e avaliada do que o normal. Metade dos criados tinham telecinese, o que deixava seus trabalhos mais fáceis, já havia visto objetos levitarem e me perguntara como eles não caiam; e a outra metade, os mais superiores, tinha um poder regular da telepatia. Havia passado por um tentando manter minha mente sem nenhum pensamento. Em minha opinião, ter minha mente lida era como se estivesse nua. E havia os criados que eram mudos, e com eles podia conversar com mais ânimo, acho que era porque era parecida com eles.

Diziam que os mudos são amaldiçoados, que seus pais fizeram algo tão terrível que a culpa recaiu sobre você e não teve a dádiva de ter poderes, e por isso havia tanto preconceito com essas pessoas, com pessoas como eu. Não conseguiam trabalho, não conseguiam vender coisas para se sustentar, acabavam na miséria. Uma pessoa não deve ser discriminada por erros de seus pais. E essa história era totalmente falsa.

Em todos os reinos há um cerimônia que retirava os poderes dos indivíduos que cometem um pecado grave, e este eram julgados pelos próprios Deuses e tinham sorte de não morrer e sim viver em uma situação abaixo da miséria. O que era bem pior. E o certo, para se lembrarem do que fizeram. No Reino de Hemort tal cerimônia era muito pior e selvagem, como todo o povo de lá.

A Veracidade das SombrasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora