Capítulo 10

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— Não! Ela não fez isso! — exclamou Andrew com um tom surpreso na voz. Quase deixando um pouco de seu sorvete cair no chão ao desabar de rir. — Pimenta na comida? Essa é a coisa mais antiga!

Gargalhei junto com ele. Estávamos relembrando o passado, mais específicamente das pegadinhas que Makenna e eu pregava uma na outra. Que, no caso, eram vinganças que nunca acabava, uma fazia algo e a outra dava o troco. Ficamos assim por um bom tempo depois de uma briga boba que não me recordo muito bem, mesmo depois de fazermos as pazes continuamos com as pegadinhas.

Tudo escondido. Se a mãe dela soubesse, estaríamos as duas encrencadas, e eu talvez nem fosse mais dama de companhia.

— Estávamos ficando sem ideia — Makenna tentou esclarecer, respirando fundo para tentar parar de rir. — Pimenta foi a única coisa que veio na minha mente. Mas pelo menos ela sentiu uma ardência na língua.

— A pior ideia possível! — declarei, tomando cuidado para não deixar meu sorvete cair. Estávamos tão distraídos rindo que os sorvetes chegavam a derreter sobre o sol da tarde. — Aquela ardência que senti não foi nada comparado a satisfação de ver você com aquele fedor por algumas horas.

— Ainda te odeio por aquilo! — ela resmungou e balançou a cabeça. — Deveria ter tido aulas com Madame Gyanna, assim aprenderia essas loções, tônicos e poções medicinais que você sabe.

As lições que um curandeiro recebia nunca podia ser feita por outras pessoas, mas Makenna era uma princesa e se pedisse para aprender ela aprenderia — assim como os mais nobres. Porém, nunca havia visto um nobre se interessando por essas lições.

— Anos atrás adoraria ter tido essas aulas também, mas era só para os aprendizes de curandeiros. — Andrew disse.

Ele pegou um lenço dentro do bolso de sua farda e limpou os dedos, como se um lenço fosse limpar toda aquela melação. Ele era o menos sujo e o único que tinha acabado seu sorvete, enquanto eu e Makenna nos sujávamos a cada minuto que passava na caminhada de volta ao castelo.

— Eram ótimas, sinto bastante falta, mesmo já tendo aprendido tudo. — declarei.

Sorrir ao lembrar do começo de meu aprendizado, que foi iniciado por meu pai aos seis anos de idade. Era uma péssima aluna no começo, agitada demais para ficar parada lendo ou prestando atenção no que ele fazia. Só havia começado a me interessar um ano depois, louca para começar a usar meus poderes. Pena que não o tinha mais hoje em dia. Não tive a chance de ser uma boa curandeira. As lições que aprendi só servia para fazer bons tônicos e loções para mim mesma.

— E como aprendeu a usar seu poder, Andrew? — perguntei curiosa, finalmente terminando o sorvete derretido. — Nunca foi atacado por um dos lobos?

Muitos dos guardas tinham o poder de domar os animais, não todos de uma vez. Andrew só conseguia domar os lobos e estava sempre andando com um. Ao vir para Mylathow, teve que deixá-los para trás, o Rei havia ordenado isso achando que aqui não teria nenhum perigo.

Governantes também se enganavam.

— Nunca. Talvez uma leve mordida aqui, outra lá, mas nunca atacado — o guarda respondeu, um sorriso aberto no canto dos lábios. — E a primeira vez que usei meu poder aconteceu naturalmente, estava na floresta com meu pai quando vi um lobo e tive o instinto de me aproximar. Ele nem rosnou, se sentou quando estava em sua frente e me deixou acariciá-lo. Era exatamente nisso que estava pensando na hora. No castelo só aprendi como aprimorar isso.

Era estranho. Longe dos outros soldados, Andrew era bem mais solto, sorria com facilidade e falava bastante, como tinha feito durante nosso passeio pela vila. Makenna tinha acertado ao não trazer seus outros guardas e ter proposto caminhar até a Vila ao invés de ir a cavalo. Se fosse o contrário, Andrew teria assumido seu jeito de capitão. Calado e sério. Eu gostava desse Andrew mais descontraído.

A Veracidade das SombrasWhere stories live. Discover now