rato de laboratório

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Capítulo um

Janeiro 13/2011

Meu dia começa sempre com gritos e batidas na porta, ora meu pai, ora minha mãe me chamando para varrer e passar. Para comprar ou vender, para fazer o almoço ou lavar o banheiro. Por sorte hoje consegui acordar cedo e me livrar rápido de todo o trabalho duro, por outro lado, também é o primeiro dia de aula no colégio tropical de Gwacheon, onde nasci, cresci e provavelmente morrerei. O almoço que omma estava bom - não ótimo, não ruim, bom. -, no geral ela não costuma cozinhar ou quando cozinha não me sinto a pessoa mais sortuda do mundo por comer sua comida. E de fato, eu não seria a pessoa mais sortuda do mundo mesmo que omma cozinhace bem todos os dias.

Crescer em uma família problemática não é a melhor coisa para uma criança aparentemente sadia e mesmo qu eu seja enormemente agradecida por eles me darem o dom da vida, a arte de viver, ainda assim não passo de uma azarada. Durante toda a minha vida, - Que não é tão longa. - tive que aprender a fazer tudo sozinha, omma nunca teve tempo para mim e para falar a verdade ela não deveria ter tempo mesmo já que temos a minha irmã, - Ela tem uma doença degenerativa e eu sou seu rato de estimação. - minha irmã tem vinte e seis anos e eu vinte e quadro. Quando ela tinha apenas dois anos meus pais descobriram que ela estava muito doente e precisavam de alguém que pudesse doar sangue, cabelo e órgãos sempre que ela precisasse. Então, eu não fui planejada. Bem, sim mas não do jeito que uma criança é planejada pelos pais, por que para ser sincera o único motivo para eu está aqui é minha irmã mais velha.

Quando eles descobriram, appa surtou. Não foi bem um surto mas hoje ele frequenta um grupo de apoio no centro da cidade - Alcoólatras anônimos. -. O problema de ter um pai alcoólatra é que um pai alcoólatra não existe simplesmente um alcoólatra
que não conseguiria ficar sóbrio
tempo o suficiente para criar os filhos.
Contudo, nossa família está mais firme ultimamente do que à alguns meses atrás e nós conseguimos nos virar vendendo lanches e com o trabalho de omma como professora em uma escola infantil.

- Nakyung, você já está pronta? - Appa perguntou jogando a bolsa sobre os ombros. - Não temos muito tempo, logo todos os alunos estarão no prédio.

- Tudo bem, appa. - Beijei a testa de Soyuk e ela sorriu e aos poucos fora soltando minha mão. - Até mais tarde.

Ela sussurrou um "até" em seguida e eu caminhei atrás do homem alto e de cabelo quase raspado que caminha em minha frente. A porta da garagem tem um mini ônibus velho e azul. Omma comprou quando viu que Soyuk precisaria também se locomover de uma cidade ou estado a outro. Os bancos já foram removidos há muito tempo, só restaram quatro, três na frente e um atrás e agora nós também o usamos para vender lanches na faculdade. Appa não é tão bom dirigindo, por esse motivo omma sempre detestou que ele levasse o carro para nossas viagens para Soyuk mas ela nunca teve tempo para aprender a dirigir, eu por outro lado tive e aprendi mas ambos não confiam em mim, nunca confiaram.

- Veja, conseguimos um bom lugar para vendermos! - Ele disse sem olhar para mim, tentando arrumar o fogão embutido e em seguida o microondas. - Agora é com você, é só cozinhar.

Caminhei até o fogão enquanto ele abriu a porta de correr e em seguida foi para a parte da frente, esse é o momento que eu finjo não saber o que ele faz e que ele finge está sendo discreto. Liguei o fogão e joguei um pouco de óleo em uma panela, em um armário atrás do meu corpo há legumes e verduras que usarei para o almoço deles. Abri a janela comercial que appa diz ter pago uma nota preta para colocar e essa espécie de restaurante dentro do carro está finalmente aberta. Esse carro na verdade parece com aqueles carros de sorvetes de filmes americanos, a diferença é que esse é bem menos colorido e não é atendido por um homem ou mulher vestida de palhaço. - Talvez. - De longe avistei um campo de futebol americano, os garotos estavam brincando com uma bola e em uma das arquibancadas havia um outro sentado sozinho. Já o vi por aqui antes, vez ou outra ele vem até aqui e compra algumas besteiras.

O garoto levantou-se e saiu do meu campo de visão, ora também havia um trio de amigas que usavam vestidos atacados na cor roxa, elas eram parecidas e aparentavam pensar igual. Uma delas, a do meio - Provavelmente a líder do trio. - me fizera uma cara de nojo enquanto procurava algo para comer.

- Com que frequência você lavar as mãos, cabelo de fogo? - Eram apelidos que me fazia odiar a cor dos meus cabelos, mas eu não podia fazer nada contra isso por que nunca poderia pintar e se Soyuk precisasse de uma transfusão de sangue? Ou se ela quisesse ter meus cabelos ao contrário de uma peruca?

A família de omma não é totalmente asiática, ela nasceu na Escócia e seu pai é escocês, tão escocês que seus cabelos são mais vermelho que os meus e seu rosto tem tanta sarda que é impossível ver sua pele. Eu por outro lado herdei esse cromossomo homozigoto recessivo e também nasci ruiva e nada do que eu disser mudaria a opinião de que estamos sujeitos a qualquer mudança para Soyuk.

- De vinte em vinte minutos. - Afirmei uma mentira. - Pode ter certeza, eu sou limpa. - Isso é verdade, não me restava outra opção.

- O que você tem aí? - Ela apontou com um dedo em formato de um galho seco de árvore.

- Yakisoba com o molho de sua preferência. - Ela fez uma cara de poucos amigos e sussurrou algo para as duas outras meninas e as três saíram sem falar mais nada.

Assim que estás saíram, corri para fora da espécie de trailer e procurei por uma torneira onde pudesse lavar as mãos. Havia uma perto de uma grade que separa a escola do campo de futebol. Amarrotei o vestido entre as pernas e abaixei meu corpo e liguei a torneira o vestido azul velho em meu corpo não ficou tão molhado, só alguns respingos. Voltei para o trailer assim que percebi que o garoto que estava sentado nas arquibancadas estava agora sentado em um dos bancos do trailer esperando por atendimento.

- Annyeong - Ele olhou para mim e sorriu sem mostrar os dentes. -, o que vai querer?

De todas as vezes que ele já esteve aqui, nunca demos um palavra além do que já foi dito, acredito que ele seja uma pessoa extremamente tímida ou algo parecido. Sua camisa preta havia uma heroína que já assisti muito, - sempre que tenho tempo. - e em suas mãos, um HQ.

- Yakisoba, sem molho...

Ele respondeu calmante e voltou sua atenção para o HQ e eu fui fazer o que ele me pediu. Enquanto colocava no prato minha cabeça cantava alguma música que havia escutado algumas poucas vezes. Lhe entreguei e ele diferente do que eu esperava, colocou o HQ em cima da bancada e começo a comer mas não parou de ler. Sentei algumas cadeiras de distância do lado de dentro do trailer e conseguia ver o que se passava na pequena revista, estava espionando, lendo escondido.

Ele parece ter percebido por que passou a demorar mais em cada página e sempre antes de vira-la conferia se eu ainda estava lendo. O que me incomodou, eu não posso incomodar. Levantei-me da cadeira e fui secar alguns partos e talheres que estavam na pia quase todos enxutos. Quando olhei para trás novamente, o garoto já não estava lá e em vez disso, o pagamento e o HQ em cima do balcão. Caminhei até os mesmos e peguei, o dinheiro cumpriu a rota até a pochete que carrego na cintura e o HQ permaneceu em minhas mãos.

A porta do trailer foi violentamente aberta por appa, ele bebeu e posso sentir seu cheiro de longe.

- Vamos embora! - Ele falou embolando as palavras e dando o seu melhor para permanecer de pé. - Vamos, arrume tudo por aqui e eu vou levar o carro.

- Appa, eu posso levar o trailer...

- Cale a boca!

Meu pai nunca foi meu maior amigo, ele de fato só me quer como um banco de órgãos para sua filha. Ele me ensinou a ser silenciosa e ele gostava de me ver em silêncio. Todas as vezes que eles me chamavam para conversar e falavam "Chegará um dia em que ela precisará do seu coração... Você daria, não daria?" Eu respondia que sim e ficava repetindo como um mantra: você não vale nada, você não é nada. Tão concentrada que a única forma de saber que ainda estou viva é pela dor que carrego no peito.

Lapso De ResignaçãoWhere stories live. Discover now