rato de laboratório

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Capítulo quatro

Omma serviu nosso jantar como faz todos os dias e appa alimentou Soyuk como todos os dias e eu diferente do que sempre faço, fui mais cedo para o quarto e agradeci imensamente por ter aprendido a ler sozinha. Em menos de cinquenta ou quarenta minutos terminei a revistinha, demorei o suficiente para saborear cada detalhe. Desci meus dedos finos e desengonçados pela capa fria desliguei a luz do abajur torcendo para o dia amanhecer mais depressa. Implorando aos céus e a terra por mais leituras como essa.

Minha última cirurgia ainda está cicatrizando e dói muito sempre que me lembro do estado da minha irmã. Ela estava magra e frágil como uma folha de papel. Não podia respirar tão bem já que só tinha um pulmão funcionando e agora, felizmente ela consegue respirar bem mesmo que eu vez ou outra ainda sofra sem ar ou canse de me esforçar tanto com o outro que me restou e que provavelmente terei que lhe disponibilizar. Mas tudo isso é reparável e eu me sinto feliz, mesmo que esteja doendo.

Peguei o copo de água em cima da cômoda e bebi o líquido por inteiro, incansavelmente. O despertador marca cinco e quarenta e dois da manhã. Omma pode precisar da minha ajuda na cozinha antes de sair para trabalhar.

- Annyeong... - Sussurrei baixo ela estremeceu. - Precisa de ajuda?

- Não, você pode acorda-lo, volte para a cama, agora! - O medo em seu rosto é tão visível quanto as estrelas no céu, omma sente medo que meu pai acorde e brigue com ela. Ela vive amedrontada pelos cantos desde que ele voltou a beber, isso também me assusta.

Acredito que até o mesmo fica assustado tanto quanto todas nós. Desde que entendi por que nasci, percebi que omma nunca diz "Não acorde seu appa" ou "Seu Appa" propriamente dito, ela sempre dá um jeito de não me fazer parecer ser sua filha tão legítima quanto Soyuk e mentiria totalmente se falasse que não sinto um pouco de inveja disso. Ele é meu pai tanto quanto é dela e isso é inegável.

- Prometo não fazer barulho, deixe-me te ajudar, omma? - Ela suspirou e me deu as costas.

- No meu bolso tem dinheiro, vá no café e compre o que achar que gosta para você e sua irmã. - Ela falou. - Não compre muita besteira, você sabe que sua irmã não pode.

- Sim, senhora!

Andei o mais rápido e ao mesmo tempo o mais delicado que consegui e peguei a chave do carro velho que meu pai orgulhosamente põe na frente da escola para ganharmos dinheiro. Faz muito tempo desde que dirigi pela última vez e estou torcendo para que nada dê errado. A rua está menos movimentada do que quando sou o passageiro. O sol invade meu rosto e eu gosto da sensação, é boa e me liberta. O mercado é bom e tem preços bons para mim que tenho menos de trinta won. Peguei algumas frutas por que minha irmã gosta de frutas e alguns lamen's para mim. Caminhei até o caixa e percebi qu alguém estava me olhando astutamente. Olhei de volta mas não reconheci o rosto, ele cutucou outro e o rapaz de pequena estatura tirou a mão de seu ombro e a jogou de lado.

Omma não estava em casa quando cheguei, appa estava saindo e Soyuk ainda dormia calmamente. Em meses não havia nada que eu devesse por obrigação fazer, a casa ainda estava limpa e os banheiros também, o almoço na mesa nos esperando para mais tarde. Caminhei lentamente até o quarto e peguei o HQ, li novamente por completo até que appa chegou em casa perto do almoço. Ele não havia bebido, estava sóbrio e Soyuk havia comido sozinha hoje. Appa deixou minha irmã no trabalho de omma e nós dois seguimos até a faculdade.

Quando era mais nova não entendia como alguém podia gastar tanta energia, sangue, suor e lágrimas para cuidar de alguém. Omma dedicou toda sua juventude para cuidar de uma filha doente e de um marido alcoólatra, e eu ficava imaginando se quando eu fosse mãe coisas como essas me aconteceriam. Mas, não vão acontecer por que nunca serei mãe para entender e compreendo isso, mas de certa forma os filhos da minha irmã - Se ela tiver algum. - serão meus também, onde quer que eu esteja, eles também serão meus.

Abri meus olhos lentamente e o garoto do HQ já estava sentado em minha frente com a cabeça baixa lendo outra revista. Pigarrei e ele levantou sua cabeça calmamente:

- Deseja alguma coisa?

Ele não me respondeu instantaneamente como sempre fez, estava olhando para o meu cabelo rubro:
- Você gostou do HQ?

Balancei minha cabeça positivamente e tirei rapidamente as mãos do avental e cruzei meus cotovelos de frente para ele, o que o fez recuar - Uma vez, omma me ensinou sobre respeitar o espaço das pessoas:
- Eu amei! - Falei pausadamente e ele levantou ambas sobrancelhas. - É genial... Ela-ela está aqui, - Tirei a revista do avental e a entreguei, ele a analisou procurando algum respingo de água/suco/café, procurando dobraduras mas não havia nada, eu me certifiquei que não houvesse. - a li duas vezes.

Ele sorriu sem fazer muito barulho e soltou a revista em cima do balcão:
- Também é a minha favorita. - Ele abriu a bolsa e tirou uma pilha de revistas novas e com cheiro de revistas novas. - Trouxe mais para você ler, essa aqui você precisa ler com certeza! - Tinha o rosto do Wolverine na frente. - Ele é o meu super herói favorito!

Peguei a revistinha e a guardei no bolso do avental:
- Prometo que a trarei amanhã. - Estiquei meu dedo mindinho mas ele me olhou sem entender. - É só esticar o seu e juntar ao meu e se tornará uma promessa.

- Você tem que levar todos os HQ's, eu quero conversar sobre eles com você! - Ele empurrou com sutileza e cuidado a pilha de revistas e por fim levantou seu dedo mindinho e o juntou ao meu por tempo suficiente para se tornar uma promessa.

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