Montanha da solidão - Autora: Virginia Dal Bo Ribeiro

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CAPÍTULO - I


Kevin olhava a casa. Na verdade, estava mais para cabana. A construção estava carcomida pelo tempo. Ele teria muito trabalho para colocar esse lugar perto do habitável. Mas, agora, não tinha como voltar à trás. Por sorte ainda era outono e demoraria uns bons dois ou três meses para começar a nevar.

Ele olhava em torno sem sair do carro. Como se fosse possível apenas dar meia volta e retornar a sua vida antiga. Sua vida antes da tragédia. Ele ainda não entendia como tinha escapado do acidente. Eles estavam vindos até essa região. Seus pais queriam curtir o começo da aposentadoria. Seu irmão recém-casado e sua esposa esperavam o primeiro bebê. E ele tinha terminado o colegial e estava esperando ser aprovado em alguma universidade. Seu pai iria aproveitar para reformar a velha cabana de caça. E era ali, onde ele estava parado, olhando para o casebre caindo aos pedaços.

Não tinha luz elétrica, ou água encanada. Estava isolada no alto da montanha. Por sorte a trilha ainda era usável e conseguiu dirigir o carro até ali. A porta estava gasta e a velha pintura verde quase desaparecia, descascando e o marrom da madeira reaparecendo. A fechadura antiga, escurecida pelo tempo e seu trinco em forma de "S" deitado. Ele se lembrava do dia em que ele, o pai e seu irmão mais velho tinham pintado a cabana. Seu sorriso era triste e lágrimas escoriam pela face magra.

O mês de outubro estava começando. Seu aniversário de vinte anos foi há duas semanas. Não teve bolo, ou festa, ou riso. Alguns amigos tentaram leva-lo a uma balada. "Você precisa se soltar, se divertir. O acidente aconteceu há mais de um ano". Ou. "Vamos Kevin, você sobreviveu. Deveria estar celebrando a vida". Só uma pessoa entendia o que se passava em seu coração. Sua avó materna. Ele só conseguiu abrir seus sentimentos com ela.

**

Tinha ficado internado por três meses. Várias cirurgias foram necessárias para recuperar o quadril e a perna que ficara presa nas ferragens. Encaixaram um psiquiatra para conversar com ele. Não foi muito eficaz. Ele olhava o céu pela janela durante a sessão inteira. Até que o cara desistiu. Kevin entendia seu milagre particular. Apesar da gravidade da lesão, ele só mancaria como sequela do acidente.

O hospital tentou contatar vários parentes, mas só sua avó materna apareceu. E o mais esquisito era que sua mãe e sua avó estavam brigadas. Parece que vó Nena não aprovava o casamento da filha. E não tinham se falado nos últimos vinte e quatro anos. A primeira vez que viu a mãe de sua mãe fora ali. Naquela cama de hospital. E como esteve preso por três meses ali, não pode estar presente no funeral de sua família.

Foi um dia estranho. O dia do enterro. A cerimônia ocorreu de manhã. Muitos tios e primos. Seu avô paterno e alguns amigos. Colegas do trabalho de seu irmão e amigos dos seus pais. Todos eles vieram ao hospital prestar condolências. Mas, nenhum se prontificou a cuidar de Kevin. O médico responsável interpelou todos. E depois de alguns dias, as visitas pararam. Era como se o jovem rapaz tivesse morrido também. Até a chegada de sua avó.

O que Kevin sabia era que seu pai era de uma família típica americana cristã e sua avó materna era de alguma religião pagã ou xamã nica. Ele não tinha certeza. Poderia ser uma mistura dos dois. O acidente aconteceu em julho e saí do hospital no final de outubro. Vó Helena chegou uma semana antes da alta de Kevin. Alguns amigos do tempo da escola apareceram no seu aniversário, em setembro. A primeira coisa que vó Nena fez ao chegar à casa de sua falecida filha foi um altar para eles. Com fotos, flores, um caldeirão, um bastão de cobre, um punhal, um pentagrama.

Kevin estranhava tudo e ao mesmo tempo sentia um conforto. Aquele gesto. Aquela lembrança e carinho. O cuidado que sua avó colocou na arrumação daquele espacinho, daquele pequeno memorial, tocou o fundo do coração dele e, o consolou.

Antologia 2Where stories live. Discover now