x. no more fears, no more crying

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No meio da madrugada chuvosa, Louis foi acordado duas vezes com Harry desmoronando em lágrimas e causando solavancos não tão suaves na cama de casal. Ele não pôde ficar com raiva da expressão confusa e aterrorizada do rapaz, tampouco da forma como foi puxado — e que se manteve por um tempo considerável — para um abraço desajeitado.

Eles ficaram em silêncio e escutando a chuva que caía do lado de fora como uma bela performance ensaiada. Para Harry, o pesadelo parecia infindável, mesmo que seus olhos continuassem bem abertos. As nuvens pesadas no céu poderiam se assemelhar às nuvens pesadas de temor que carregava dentro de si, inquietando-o com a ideia de qualquer outro evento anormal que pudesse vir a ocorrer naquela noite.

Louis estava bem empenhado em lutar contra o sono e manter-se acordado para passar a sensação de segurança que Harry precisava no momento. Se fosse perguntado, não negaria o medo que também estava sentindo, mas faria de tudo para que o homem de olhos verdes não ouvisse.

Até que o dia amanhecesse, foi tudo muito conturbado e um tanto quanto silencioso, pois nenhum dos dois sabia exatamente o que dizer. Por mais que Harry tivesse chorado e tremelicado por vários minutos, ele nunca dizia nada, somente buscava algo para segurar entre seus dedos e saber que não estava ali sozinho. Louis sabia que existiam segredos sombrios guardados de forma sigilosa e sufocante, e sabia também que ele clamava — mudamente — por ajuda.

Antes que o quarto ficasse totalmente claro, ao perceber que Harry dormiu ininterruptamente por uma hora, Louis se desvencilhou de seu contato e alcançou alguns papéis no chão, sob a cama. Eles foram parar lá na tarde anterior, depois que o médico chegou e teve tempo para poucas coisas antes da campainha ser tocada e uma surpresa agradável se fazer presente. Eram alguns relatórios sobre o projeto Care, que vinha sendo organizado aos poucos, e que precisavam ser lidos com certa urgência após algumas datas terem sido esquecidas.

Tentou ao máximo não balançar a cama ao se levantar para ir ao banheiro fazer sua higiene matinal. Com o rosto lavado, os dentes escovados e a bexiga vazia, retornou para quarto e se sentou no chão, bem perto de onde a luz da janela entrava com mais intensidade e tendo uma visão ampla do corpo adormecido em sua king size. Conseguiu ler quatro de sete páginas até que Harry despertasse.

— Eu esqueci — ele entoou. — Esqueci completamente os remédios! — Revelou com temor.

Louis levantou rapidamente e largou todos os papéis para chegar mais perto e acudi-lo.

— Não se preocupa com isso agora, não precisa — assegurou. Ainda que fosse algo sério, o homem tinha problemas mais graves para se preocupar. — Vamos descer para comer alguma coisa e… ver como será o dia de hoje.

Os adesivos analgésicos fizeram um bom trabalho em diminuir a dor e o inchaço do tornozelo do professor, tanto que ele só precisou de apoio para descer os degraus da escada.

De café da manhã, Louis preparou torradas caseiras e café preto e eles comeram sem falar muito, cada um com sua própria confusão de pensamentos.

Harry não tinha uma expressão no rosto, tentando lidar com as vozes em sua cabeça e a vergonha de ter sido encontrado em forma mais deplorável, com as calças molhadas de urina e sujas de barro, transtornado e com contusões por todo o corpo. Ter consciência de que, no presente momento, Louis conhecia todos os defeitos e anormalidades de seu corpo, era arrebatador. Não conseguia encontrar uma saída plausível.

Quando parecia encontrar o caminho para uma solução, se encontrava diante de um muro tão alto que não conseguia enxergar o final. "Deus sabe de todas as coisas" era algo previsível que George costumava dizer quando enfrentavam situações difíceis no primeiro ano de casamento. Harry sempre achou uma grande baboseira infundamentada, um jeito de dizer que o futuro era incerto e que eles não sabiam de nada. Por algum motivo, quando dava de cara com o muro criado por sua própria consciência, essas palavras ecoavam altas.

aneurysm • lwt+hesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora