Dia da presa. Dia do caçador

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Are we the hunters?

Or are we the prey?

(Game of survival – Ruelle)

Wiltshire, 1989

Houve um tempo em que as árvores podiam ser ouvidas de longe. Os galhos enfurecidos debatiam-se contra a janela, e um farfalhar enérgico do mix de folhas iniciava o temido ruído que tanto se assemelhava ao zunido encrespado de unhas arranhando a janela – a folhagem mais jovem mantinha-se firme, e aquela que estava por um fio encontrava o solo. O som por elas emitido compunha uma macabra sinfonia. A noite estava mais escura que habitual e somente o brilho do teto criado pelas solitárias constelações fazia o seu coração pulsar em um compasso coerente, tranquilo e livre dos constantes sobressaltos causados pelo breu absoluto.

Sua mãe era a melhor pessoa de todo o universo. Por vezes, durante a ventania avassaladora, ele se pegava pensando no quão indigno era da afeição de Narcissa. Tal ideia lhe ocorria tão rapidamente que ele sequer tinha tempo de afastá-lá, era um daqueles pensamentos minúsculos que se alojavam secretamente dentro dele, como um vírus silencioso.

Nessa mesma época Draco podia ouvir sua mãe fungando pelos corredores. O outono trazia para ela incontáveis desconfortos, como a alergia resultante da sequidão climática, então ele nunca conseguia distinguir a coriza do choro — que também se tornara constante naquele último mês. Draco tinha certeza que quando ela passasse pela porta do seu quarto novamente, entraria e lhe daria um beijo no, que, por sua vez, fingiria estar dormindo só para não causar nenhum incômodo, ao menos não naquela semana.

O prelúdio do inverno era marcado por densas memórias negativas, pois as baixas temperaturas eram responsáveis por fazerem com que seu pai sentisse a impiedosa e sôfrega consequência de portar a mosmordre. Ninguém sabia o motivo, mas aquele-que-não-devia-ser-nomeado, mesmo depois de desaparecido – ou morto – ainda causava infindáveis malefícios aos aos seus seguidores, como se o chicote do mestre permanecesse em movimento, pronto para punir e ordenar aos servos de Voldemort continuassem o trabalho que ele não conseguira terminar.

Quando os sintomas atingiam o pico máximo, a ninguém era permitido sequer respirar nas imediações do quarto de Lucius Malfoy, apenas Narcissa tinha o direito de se comunicar com ele. Vez ou outra Draco encostava as orelhas na parede, a fim de tentar ouvir a voz do pai, mas quase nunca obtinha êxito, identificando apenas alguns resmungos modorrentos e irritadiços de Lucius, contra a fala suave, porém severa, da esposa.

– Não estou interessado em seus sermões, Cissa, além do mais sua sugestão não é das melhores, considerando o momento. – o homem ralhou em tom ameaçador, após uma torrente de espirros. – E já disse para não usar esse pólen de gérbera! Sinto que ficarei sem vias aéreas se continuar preparando sua poção misteriosa.

– Seu pai não destruiu o livro, tenho certeza. – Narcissa ignorou serenamente os protestos do marido, enquanto mexia vigorosamente o caldeirão de cobre reforçado. – Apesar de senil, não seria capaz de tamanha insensatez. – Narcissa era estratégica e fria em suas palavras. Meticulosamente observava o problema antes de atacá-lo, assim como estava fazendo com Lucius no tratamento de suas mazelas.

– Ele não destruiu, apenas repassou para algum velho amigo, o que é típico de Abraxas, entregar qualquer coisa que achasse valiosa para outra pessoa que não fosse o próprio filho. – Lucius, em sua fala, parecia mais entendiado do que frustrado pelas decisões do pai, falecido há alguns anos. — Não duvido nada que tenha entregue para Slughorn, aquele traidor. Ai! Mais cuidado com essa coisa! Minha pele está em chamas...

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