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O quarto estava escuro, passando os olhos ao redor, noto uma pequena luz, próximo da janela do quarto. Me sento na cama, puxando as pernas, colocando a cabeça sobre os joelhos.

Sinto os músculos do meu corpo se renderem a pequenos espasmos, fazendo eu me encolher ao máximo. Passo a mão sobre o cabelo e sinto o corpo tremer, sinto frio, mas sei que não está frio. Sinto calafrios, que me tiram pequenas lágrimas dos cantos dos olhos, sobre todo o corpo.

Um clarão se apresenta no quarto, de forma veloz, resultando em um ensurdecedor trovão. Grossas e barulhentas gotas de chuva se assolam às pedras de cascalho do jardim.

Puxo as grossas cobertas em um falha tentativa de me aquecer, sinto meus pés formigarem pelo tempo na mesma posição e estico lentamente as pernas.  Grave erro. O lençol está gelado e um arrepio percorre meu corpo, causando mais calafrios, me fazendo soluçar em um involuntário choro.

Um desespero percorre-me tão forte quanto os calafrios, uma súbita vontade de contar tudo, de fugir, de esfregar os pés na gramas, vontade de pintar, de levantar e tocar. Me sinto presa, engaiolada, sem tudo o que amo. Gosto de ler, mas não é o suficiente, preciso sair daqui, sentir o vento, a chuva.

Em um ímpeto de coragem, empurro as cobertas, levanto-me da cama, sentindo os calafrios aumentarem, mas não me importo. Contando os passos, chego até a porta e com a mão mais leve que pude manter, abro a porta delicadamente, passo tateando o corredor, implorando pra não esbarrar em nada.

Sinto que chego as escadarias que dão pra sala principal, sentando-me nos degraus e descendo sentada, sem pressa. Percebo que os calafrios passaram e uma onda de ansiedade toma conta do meu corpo. A sensações de uma nova aventura domina-me e aumenta minha coragem.

Chego a porta principal, tateando o chaveiro e procurando pelo formato único da chave da porta. Alguns minutos, ou muitos e encontro a chave, com certa dificuldade abro a porta, uma fresta e passo puxando a porta e levando a chave junto comigo.

Me apoio nas pilastras que suponho sustentar as escadas e frente da mansão de pedras. Sento sobre os degraus e devagar vou descendo sentindo os pingos se aproximando. Tal fato me incita a ir mais, a descer mais e mais degraus até sentir minhas roupas molhando mais.

Olho para baixo, tentando recordar com que roupa eu havia deitado, os pés descalços, cabelos soltos — passo as mãos sobre eles — um vestido longo de mangas ¾ azul marinho, que flutua com o vento da chuva.

Desço os últimos degraus me apoiando na última pilastra, descendo e sentindo a chuva me molhar, de forma devastadora como se lavasse por dentro e não apenas fora. Noto que não há mais raios ou trovões, era como se a chuva estivesse apenas me chamando, os calafrios passaram, a sensação de prisão passou, sinto-me viva, livre. Piso nas poças, sentindo a chuva sobre meu rosto, sentindo meus cabelos molhados e grudando na testa, me sinto completa e feliz. Mesmo sabendo que durara por míseros minutos.

Alguns minutos mais tarde, a chuva vai dissipando, com cuidado eu sigo novamente para as escadas, sentando e abraçando pilastra. Não sinto frio, mesmo com o corpo molhado, mesmo com o vento forte dominando. Por um momento eu penso, o que aconteceria se apenas ficasse aqui, assim do mesmo modo, abraçada a pilastra, como se ela me sustentasse também

Abraço ela firme, deixando-me relaxar, descansando meu coração desesperado por liberdade, fecho os olhos por o que imagino ser alguns minutos, mas sei que durou muito mais.

— Mariel — Ouço ao fundo e alguém toca em meu braço. — Mariel — a pessoa repete, fazendo-me abrir os olhos devagar.

O sol, aparente já nasceu, o céu está azul e o sol aquece minha pele, o vestido e cabelos levemente úmidos e os pés levemente ressecados, com areia entre os dedos.

— Mariel, o que faz aqui? Ouço a voz doce de Magda sussurrar.

— Livre — Balbucio, sentindo meus olhos encherem de lágrimas e as mesmas pularem para fora de meus olhos.

— Livre? Ouço em tom rude de Aires. — O que raios estavas pensando, Mariel? Ele grita me assustando.

— Livre — Balbucio em um soluço, abaixando a cabeça.

— Para o raio que o parta com sua liberdade! Ouço ele gritar —  Está me ouvindo? Ele me chacoalha pelos ombros e sinto minha cabeça pulsar em uma dor aguda. —  Está me ouvindo? Ele me chacoalha e a dor perdura por toda cabeça, desembocando nos olhos, que aperto com toda força.

— Sim — Sussurro em meio fio, soluçando em um choro contido, que faz meus olhos queimarem.

— Pare com esse drama! Com esse chororô. Parece uma criança! Engole ele — Ele chacoalha meus ombros e sinto que vou desmaiar de tanta dor.
— Estou indo viajar, faça-me o favor de se comportar! Ele me solta e sinto-me despencar no chão. 

Por que ele está fazendo isso?

Mariel! Magda tenta me apoiar — Vamos me ajuda! Suspira e eu tento ao máximo ajuda-la a me levantar, mas meu corpo dói, me sinto fraca e gelada. Por um minuto tudo parece ficar mais escuro que o normal, com um cerco as paredes vão se aproximando e tudo se apagando e sinto-me entrar em sono pesado e denso.

MarielOnde as histórias ganham vida. Descobre agora