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Os raios cortavam o céu, os trovões ecoavam, as gotas largas e rápidas cantavam no solo, os ventos assobiavam abrindo e fechando janelas e portas. 

Aflita, Loreta observava a tempestade, aguardando ansiosamente o veredito do médico. A mente dela estava um turbilhão. Ela gostaria de entender o que acontecia, o que era essa doença. Era apenas uma cegueira, ela dizia a si mesmo.

O médico, de baixa estatura, um tanto calvo, já de certa idade, aproximou-se ajeitando os óculos, as barras da calça estavam molhadas e as galochas coaxavam pelo assoalho de modo irritante, mas Loreta ignorava.

Eles saíram pelo corredor, enquanto Magda velava o sono de Mariel, que no momento, não estava com febre.
Aires aguardava em seu escritório, ansioso, não queria, mas era inegável que ele queria respostas. E muitas.

— Pode me adiantar? — Loreta sussurrou aflita esfregando as mãos.

— Lembra se quando na infância, citei sobre infecções? Infecções geram febre e febre pode gerar tantas coisas... calafrios, convulsões e até alucinações. 

— Sim, eu lembro, mas você disse que com aqueles cuidados, evitar que ela corresse, brincasse e até pintasse no jardim! Para agora anos depois, ela está neste estado! O que acontece com ela? — A mulher diz cada vez mais aflita.

— Ela algo pequeno, eu juro. Mas parece algo de anos! Infecções na córnea, temo muito pela retina, já é bem afetada pela cegueira em si, mas dependendo dessa infecção pode gerar até um câncer. Temo muito Loreta, ela precisa de cirurgia, uma crítica cirurgia. — O médico sentenciou.

— Não! Não, Não! Minha menina não! — As lágrimas rolaram em um misto de desespero e medo. E se perdesse Mariel? A vida iria lhe tirar novamente alguém de sua vida?

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Agave? — Mariel sussurrou

— Diz — Ele abriu um largo sorriso

— Uma vez, de tarde aconteceu algo...— Ela começou com ar de suspense atraindo a atenção de Agave. —  Eu estava sentada sobre o jardim, senti um cheiro, parecia perfume, mas era suave. Esse cheiro eu sentia no orfanato, mas senti aqui! — Ela diz com um ar dramático.

— Aqui? — Ele diz olhando ao redor com um semblante interessado, apoiando a cabeça sobre o braço.

— Aqui? Bom, não aqui, mas no jardim da propriedade, eu estava sentada, pintando e ouvi passos e aquele cheiro do orfanato. E por algum motivo eu não consegui virar e olhar para trás, mas eu ouvia os passos se aproximando — Mariel suspira de forma dramática tirando risadas de Agave — depois, sentou atrás de mim e tocou em meus cabelos! — Ela deu um salto ficando em pé, desequilibrou-se e quase caiu no mar, mas ele a segurou pelas pernas.

— Quem sentou atrás de você e tocou seus cabelos? — Ele diz rindo a trazendo pra perto e ela voltando a sentar de costas para ele.

— Eu não sei! — Mariel falou dando risadas. — Mas tocou em meus cabelos e os acarinhou! — Ela aumentou um tom na última sílaba, fazendo Agave gargalhar de seu relato.

— Ele, ou quem quer que seja, fez tudo isso? — Agave diz entre risos ficando mais próximo a Mariel.

— Sim! E...E eu não tive ação, não conseguia virar e mesmo se virasse não conseguiria...enfim foi amedrontador. — Ela balbucia de forma dramática.

Agave sorri, mexendo levemente nos cabelos de Mariel — E o que você fez?

— Naquele momento me senti um tanto atordoada, em confusão com o real ou não e trouxe medo. — Mariel volta com o ar de suspense — Ordenei que parasse! — Ela afirma com uma pose confiante.

— Hm...— Ele sorriu mexendo nos cabelos dela — E agora? Ainda prefere que eu pare? — Ele Sussurrou no ouvido de Mariel que subitamente voltou ao sentir aquele cheiro que a intrigava, fazendo-a suspirar em surpresa.

— Agave...? — Sussurrou virando a cabeça para ele, que gargalhava com sua reação.

— Você não me respondeu...— Ele cantarola enrolando os cabelos dela nos dedos.

— Não, eu gosto...abriu um sorriso, fechando logo em seguida, criando um semblante sério. — O que pensaria se eu não pudesse ver? Cega...ela soprou as palavras com certa insegurança.

Agave olhou ao redor, observando as ondas quebrarem sobre os rochedos próximos, a noite estrelada e o vento que trazia uma gostosa sensação de paz.

— Sei o que seus olhos visionam e o que não visionam, sei que você possui certa dificuldade para enxergar as coisas daquele mundo em que vive. Eu já sabia de tudo isso, gosto de você exatamente como você é, lembra? — Ele faz um cafuné nos cabelos dela, o beijando em seguida.

— Não sente vergonha ou te incomoda? — Mariel sussurra  encolhendo-se tímida.

— Não, pelo contrário me orgulha e não trás nenhum sentimento de vergonha, espero que não te incomode e nem sinta vergonha também. — Ele a abraça por trás arrancando um sorriso pequeno dela.

— Por quê temos esses momentos e nos vemos? — Mariel indagou pensativa.

— Eu não sei bem como começou, mas partiu de você, eu te sempre pude te ver e admirar...espero poder ver sempre — ele acaricia o rosto dela com um sorriso

— Espero que isso nunca acabe — Mariel sussurra o abraçando.

MarielWhere stories live. Discover now