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A manhã estava ensolarada, o céu azul, com pequenas nuvens aqui e ali, como pequenos algodões, me encontrava sobre uma toalha de piquenique xadrez em tons de vermelho e branco, sobre um gramado verde, ao meu redor havia uma porção de roseiras vermelhas.

Alguém mexia em meu cabelo, estava deitada, sobre as pernas deste alguém, tentava, arduamente, erguer a cabeça para cima com o intuito de vê-lo, mas nesse instante, a lembrança sobre ser cega vinha a tona. Voltava a olhar ao redor e tudo podia ver, mas o alguém, este não poderia ser visto.

— Sabes que não deve olhar-me, Mariel — Ele sussurra fazendo carinhos sobre meus cabelos. Sinto seus lábios sobre eles e sobre minha testa, deixando beijos suaves.

Foi quando tomei consciência que estava tendo visão, visão do céu, de minhas roupas, um vestido de alças azul como o céu, que ia até os pés, descalços. Eu podia ver! As cores, as flores e a mim mesma.

Em um susto, sinto meu corpo pulsar, em uma sensação de queda em um abismo. Abro os olhos lentamente, voltando a imagens desconexas e borrões.

Parece que voltei a realidade.

— Mariel? Magda Sussurrou

— Eu...— Sussurro de volta

— O que está acontecendo? Ela diz escolhendo as palavras.

— Minha cabeça dói — Sussurro.

— Por que estavas fora da casa? Ela ajeita as cobertas e se senta ao meu lado, sinto o movimento do colchão.

— Tenho medo de me sentir presa, amo banho de chuva e estava chovendo, simples — Sentencio fechando os olhos.

— Sentes assim? — Ela diz em tom de dúvida e afirmo.

— Sinto vontade de pintar, de andar pela grama, de emaranhar-me em galhos e folhas, de sentir o vento sobre os cabelos e a chuva escorrer sobre o corpo.

— Céus, é como um pássaro engaiolado. — Ela sentencia com pesar e eu afirmo sentindo lágrimas rolarem. — Aires é de fato um homem cruel... — Ela sussurra e eu não compreendo.

Sinto que ela se levanta, ouço o barulho das cortinas sendo arrastadas e o sol refletindo sobre meu corpo.

— Vou preparar algo para que coma, está fraca e pálida, mas não se esqueça, seja livre, Mariel. Quando puder, vá correr pela grama, vá conhecer cada mísero cantinho dessa propriedade, não se acorrente nem se prive, certa vez...— Ela se interrompe com certo pesar na voz — Seja livre, querida.

Viro o rosto em direção a grande janela, o sol bate sobre meu rosto o aquecendo, mexo os pés e estico as pernas, sentindo-as de certa forma pesadas. Uma preguiça toma-me e eu aproveito o calor do sol e estico mais o corpo.

O que foi aquilo? Será o sonho?

Penso no que vi, penso que pude ver, penso em todas as cores, nas sensações, nas carícias que a grama fazia em meus pés e da bonita toalha vermelha. Penso sobre o alguém, que acarinhava-me, que tinhas voz doce e suave, com leve tom de mistério sobre si próprio.

Beijava meus cabelos, minha testa, tratava-me com carinho e cuidado, dando sensação de segurança e que sou querida em algum lugar.

Quem é este alguém?

Mais tarde Mariel desceu ao jardim, o dia estava delicioso, podia sentir, como o clima na propriedade estava tranquilo sem Aires por perto. Isso a tranquilizava um pouco.

Ela se encontrava no gramado, com uma regata justa, no tom de azul claro e uma saia longa em tom azul escuro. Ela estava sentada sobre a grama, os cabelos longos e escuros voando ao vento, com as mãos manchadas de guache. Havia uma tela — não tão branca — onde traços precisos e desconexos nasciam.

Mariel cantarolava, sorria como uma criança boba, os dedos dos pés esfregavam-se avidamente entre as folhas de capim que passavam entre os dedos lhe fazendo cócegas, o que a mantinha em risos.

Ventava bastante e ela sentia os cabelos voarem, mas o sol quente a aquecia, sua pintura ela imaginara que ficava cada vez melhor, com tons forte de azul, verde, amarelo e vermelho. Nada muito óbvio, algo que existia somente em sua cabeça, era como um céu verde, muito verde, o que fez ela passar as palmas das mãos na tela para pintar o céu. Na sua mente havia um gramado vermelho entre um longo rio amarelo, com os dedos ela fazia cópias do que pensava, do que sua mente criava. Pássaros azuis, voando para o sul em busca de calor do verão.  Ela gargalhava com o que imaginava, como uma história que só existia em sua mente, a sensação da tinta em seus dedos lhe dava um tipo de êxtase que fazia com quê sua mente não parasse de criar, de criar histórias e imagens coloridas.

De repente se sentiu observada, sabia que Magda havia lhe dito que ia estender roupas e ficaria próximo, para algo que precisasse, mas sabia que não era ela, mesmo sentindo cheiro de sabão no ar e ouvindo as roupas e lençóis se debatendo contra o vento.

Ela sentiu o perfume, aquele perfume que a perseguia no orfanato e que apenas sentiu uma vez quando chegou na propriedade, agora ela sentia novamente, aquele cheiro amadeirado, um tanto cítrico e ácido que lhe fazia coçar o nariz. Alguém estava ali e era quem a observava. Ele, estava ali, por um momento ela parou de pintar, ficou sem reação com as mãos estáticas no ar, com a respiração lenta e pesada tentando entender o que se passava.

— Quem está ai? — Ela Balbuciou em um fio de voz, mas nenhuma resposta lhe voltou. Ouviu passos na grama e aquilo lhe deu a certeza que precisava, o som lento e calmo demais dos passos trazia certa angústia, o cheiro ficava cada vez mais forte e ela sabia que quem quer que fosse estava atrás dela, por um momento quis virar como se virando enxergaria quem a assustava de tal maneira.

Os passos silenciaram, ela sabia que estava bem próximo dela, muito mais próximo que antes, houve uma movimentação e ela tinha plena certeza de que a pessoa havia se sentado atrás dela. Ela sentia uma pesada e quente respiração em suas costas, o perfume cada vez mas próximo, a vontade de virar como se assim pudesse enxergar era latente em seu íntimo, quando decidiu se render a sua vontade e virar-se, sentiu toques leves e suaves em seus cabelos, a pessoa tinha certo carinho mexendo em seus cabelos e isso a travou no lugar.

Por segundos que pareceram longas horas, ela pensou quem poderia ser atrás dela, pensou no perfume, seria Aires? Não, ele ja havia estado com ela antes e não sentira, ela tentava relembrar as vezes em que sentia aquele cheiro tão característico, havia sido uma única vez na propriedade e algumas vezes no orfanato.

Quando voltou a si, as mãos estavam sobre seus ombros e desciam por seus cotovelos, não era nada de forma bruta ou violenta, era sútil e suave como o mais finos dos toques, ela arriscava a dizer...gentil. Mas ela não entendia o que estava acontecendo.

— Pare! — Ela sentenciou quando sua consciência voltou a si e no mesmo instante as mãos pararam de se mover sobre ela. — Quem é você? — Ela perguntou em tom hostil.

— Mariel? — Magda sussurrou com  cheiro de sabão fazendo Mariel esquecer o outro cheiro. — Com quem estava falando?

— Eu estava falando sozinha? — Ela sussurra surpresa.

— Sim, eu estava um pouco afastada, estendendo os lençóis, mas lhe observando e acreditei ter ouvido você falar algo e vim ver o que era. O que era? Tudo bem? — Magda questiona atenta.

— Está tudo bem...— Ela sussurra pensativa — Só problemas com a pintura — Ela aponta enfiando o dedo no vidro de tinta branca.

— Está bem, está linda, bem estranha — Magda solta risadinhas — vou deixar-lhe em paz. — Disse e Mariel pode ouvir os seus passos pelo gramado.

Estava Sozinha? O que estava acontecendo? Sonhava, sentia, havia algo de errado acontecendo...

MarielOnde as histórias ganham vida. Descobre agora