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Por Aires

O médico disse que tudo ficaria bem, por quê eu não sentia isso? Por que essa súbita preocupação? Tenho medo de não cumprir o que Vistovo gostaria? Mesmo morto ele ainda tinha domínio sobre mim e querendo ou não, eu deveria admitir isso.

Pensando nisso, convenço-me que essa é a razão de estar aqui no quarto dela, velando seu sono que parece calmo, ela mantém um sorriso bonito. Na verdade, ela é bonita, uma beleza comum que prende meu olhar. Sempre com vestidos e um olhar profundo, onde me perco sem ela ver. Os cabelos negros como a noite, ondulados e longos emoldurando seu pequeno rosto, um nariz pequeno e levemente arrebitado dando um ar de teimosia e determinação, lábios medianos, vermelhos em contraste com a pele levemente dourada.

Meu corpo é arrastado, sem que eu perceba estou ao seu lado na cama, fazendo menção de sentar ao seu lado ao fazê-lo, me vejo tocando seus longos cabelos, contorno seu rosto com as pontas dos dedos, ela se remexe me levando ao um pequeno susto, pairando minhas mãos sobre o ar.

Lembro-me da febre e com certa timidez, coloco minha mão sobre sua testa, descendo ao pescoço, sentindo o calor característico. Puxo a coberta, descobrindo seu pequeno corpo, notando o vestido curto, próximos ao meio das coxas, em um tom rosa claro, de mangas curtas, um shorts da mesma cor  se faz visível quando ela se vira, me fazendo agradecer mentalmente por  existência da vestimenta. Jamais gostaria de vê-la desse modo, principalmente nesse estado. Penso em sua cegueira, de como pinta avidamente sem que isso a incomode, como era cheia de vida e agitada no orfanato, como todos sabiam que por lá, ela havia passado.

Penso que aqui não deve estar sendo um bom lugar, creio que também não sou tão amigável para tais feitos. Mas confesso que gostaria de vê-la animada bagunçando a casa, deixando Magda de cabelos em pé.
Levanto olhando ao redor do quarto, quadros e quadros sobre a parede lateral. Fico pensando o que a mente dela pensa.

Um parece uma paisagem, com as cores em lugares que consideramos errado, o céu amarelo vivo, o sol azul como o céu noturno, uma grama vermelha com um riacho em um tom salmão.  Outro é mais complexo de entender, são traços fortes e rápidos na diagonal, parece como uma forte raiva, as cores queimam aos olhos.

Outro é um total contraste, cores neutras, claras meio monótono,ouso dizer até triste, as cores se misturavam formando...bolas? Como bolas? Me perguntava como ela fazia isso, como conseguia?

Passei pro lado e o próximo me assustou deliberadamente, era uma floresta, uma parte da floresta pois a outra parte tinha sido engolida por um tornado, nebuloso que devorava tudo ao redor, o tornado, tinha tons escuros e aterrorizantes, as cores da floresta eram vivas e vibrantes como se gritassem por algo, longos minutos encarando a tela, tentando arduamente decifrar....o que se passava na cabeça dela?

Pensei onde arranjava as telas, mas lembrei-me que  Magda havia encomendado coisas para ela. Passo os olhos pela escrivaninha e noto um papel branco, com um desenho claro, de uma garota pintando um quadro. Parecia um autoretrato, muito bem feito, isso é coisa que cegos fariam? O que de diferente existe nela? Por que tenho a sensação que quero descobrir?

Ela se mexe na cama, como se procurasse a coberta, me aproximo tocando em seus ombros e braços, notando como está gelada  dois extremos, cubro seu corpo e ela se acalma, mantenho os olhos sobre ela, sentando ao seu lado, inconscientemente sua mão procura a minha, prendendo a sobre a sua, surpreendendo-me. Por que isso faz eu me sentir acolhido? Tantas duvidas me corroem, me torturam!

MarielOnde as histórias ganham vida. Descobre agora