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Loreta observou o sol nascer com o coração ansioso, Aires iria viajar nesta noite e nesta noite ela e sua menina iriam iniciar a fuga.

O dia foi ganhando forma, uma pequena criança raquítica e pequena chegou ao orfanato e logo sua presença foi solicitada. 

Avaliou o pequeno menino de quase tres anos, que havia, com toda certeza, sofrido muitos maus tratos. A mãe havia morrido de uma doença contraída no parto e o pai, como todos na residência culpara.

E hoje, num dia de lapso mental, o pai ( se é que podemos chamá-lo assim) decidiu entregá-lo para adoção. 

A criança fora tão rejeitada que não possuía um nome próprio, o chamavam de menino apenas.  "Olha esse menino, novamente chorando", diziam.  Se está com fome, foi porquê matou sua mãe! Sempre o culpavam por tudo.

Loreta "admirava" o fato da falta de vergonha do pai ao relatar cada detalhe para Lucrécia, que por mais cruel que fosse sentiu o coração latejar em dor e pena pelo garoto.
Sentiu tanto por ele que não cobrou vintém algum por mantê-lo no local.

Agora, ali na enfermaria, Loreta o observava: pequeno, olhos em tom caramelos, grandes e obtusos que a mirava com pavor. O corpo raquítico e mole para tal idade encolhido em si, com medo do que viria a seguir.

Notou nos braços pequenos arranhões e queimaduras que poderiam ser de cigarros ou charutos. Era inacreditável como as pessoas poderiam ser ridiculamente más com os inocentes.

De modo devagar, ela se aproximou e ele se encolheu, os olhos curiosos mostraram pavor e medo fazendo o coração dela latejar.

— Querido, não vou te machucar, eu prometo — Ela sussurrou suavemente acarinhando os cabelos encaracolados que fez ele se aninhar como um pequeno gato manhoso. — Loreta sorriu e retirou a mão para ver a reação dele, que fora imediata em uma careta e uma protuberância nos lábios como um bico.

— Você gostou? — Ela o trouxe para si, o pegando no colo, constando que seu peso estava muito baixo para sua idade.  — Posso te mostrar outros. — Ela acariciou as bochechas dele e as beijou devagar sentindo o pequeno menino sorrir.

Deste modo carinhoso e sutil, ela foi avaliando a pequena criança, que estava fora do peso, anêmica e má desenvolvida.

Em seu colo, ela o levou a cozinha e pediu a Carmen que o engordasse. Ambas sorriram e Carmen o encheu de comidas saborosas que o faziam sorrir. 

Ele era um menino doce, por mais que tivesse sofrido muito, não demonstrava atitudes de revolta ou se debatia com os outros, Loreta sentia que ele apanhava e sofria como um cordeiro, de modo silencioso. Isso torcia seu coração de modo terrível.

No fim do dia, seu coração estava confuso. Ela queria o menino, amava muito sua menina, mas o sonho era ter um menino. Daren, esse seria o nome do seu menino.

Ela o observava dormir, e o queria. Poderia levá-lo também? Uma nova família, pequena mas sua família.
Ela poderia não poderia?

Mas será que seria possível?

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Mariel estava ansiosa, sua respiração entrecortada, estava como uma tábua deitada sobre a cama, aguardando....mas o que aguardava? Ela pensava.  Tudo estava pronto, mas será que ela conseguiria fazer a cirurgia? Tudo daria certo?

De modo abrupto ela se levantou, estava vestida para a fuga, um vestido longo em tom acinzentado, os cabelos presos e por cima do vestido, vestia uma capa azul marinho, longa que chegava até seus pés, os pés estavam calçados em sapatos próprios para longas caminhadas, bem amarrados ao tornozelo.

A jovem andava em círculos pelo quarto, com a noção clara de que Aires já havia saído...mas, o que a impedia de descer? O coração lhe apertava de tal modo que era como se o espremesse. Em um ato de nervosismo, ela abriu a porta de seu quarto e em passos leves e contados, ela foi caminhando até a longa escadaria, ao chegar no topo dela ela ouviu sussurros e pequenos passos que supôs ser Loreta,  e de certo modo seu coração se acalmou, apressando o passo ela ia descendo os degraus até que seu coração errou a batida e um estrondo ecoou.

— VOCÊS REALMENTE ACHARAM QUE IAM ME ENGANAR? — A voz de Aires esbravejando soou muito próximo dos ouvidos de Mariel, que paralisou na escada, ela podia ouvir os passos dele se aproximando, entretanto não conseguia se mover, ela sabia, ele estava próximo, ele iria machuca-la, era uma certeza palpável.

— NÃO!!! — Magda gritou — Não vai mata-la como matou o  George Vistovo! - Ela gritou por trás de ambos e o empurrou escadaria abaixo.

A escadaria era longa, de madeira lisa e brilhante,  carvalho era o que diziam, mas em suas laterais haviam vincos, estes eram levemente pontudos e, claramente estariam espetando Aires que gemia rolando velozmente a escada.

Mariel em ímpeto, apressou o passo e Loreta a acolheu na lateral do fim da escada, se colocando a frente dela como um misto de proteção, ele não tocaria nela, jamais!

— Ele matou minha Berenice! Eu sei que sim, foi ele, eu sei que foi! — Aires esbravejava em um choro angustiado ao chegar ao fim da escada, debruçado ao chão, o choro lhe dava um ar de louco. — Meu amor, ele me tirou ela! — Gritava como uma criança, algo parecia ter explodido dentro dele.

— Não foi ele! — Magda afirmou descendo as escadas. — Ela estava grávida e morreu no parto. Ela nunca seria sua! 

— Ele a engravidou! Ele a matou! Onde está essa criança? É tudo mentira!!

— Bem aqui! — Loreta sentenciou sem pensar e logo se arrependeu. — Mariel Berenice Avelar, filha de George Vistovo.

Por um longo segundo, o tempo parou, todos a miravam chocados, sem compreender como o destino é implacável. Entretanto, quando este segundo acabou, os olhos de Aires se transformaram em um misto de fúria e horror, ele não parecia apenas um monstro, ele havia se tornado o próprio.

— ENTÃO...— Ele se levantou em fúria — VOCÊ ESTÁ AQUI PARA ME TIRAR TUDO, NÃO É? MEU DINHEIRO, FAMÍLIA! VOCÊ QUER ME TIRAR TUDO, MAS EU VOU TIRAR TUDO DE VOCÊ PRIMEIRO! — A voz ecoou pela casa enquanto, com rapidez ele mirava Mariel, ele iria queria machuca-la, mata-la e fazer tudo o que haviam feito com ele.

Loreta entrou na frente quando ele ergueu a mão pronto para arrancar a jovem do piso e esbofetear-la até a morte, Magda havia sido mais rápida e pegando um vaso grande, ela o quebrou na cabeça de Aires que caiu inconsciente.

— Vão! Fujam antes que acorde! Fujam antes que ele as procure até o fim de suas vidas. FUJAM!!! — Ela gritou e em um estalo Loreta arrastou Mariel para fora.

Estava feito e nada podia fazer para mudar...

Ao chegarem na estrada, havia um automóvel alugado, pronto para a partida, ambas entraram e se acomodaram...o pequeno menino que dormira, acordou em um chorinho manhoso, Loreta o coloco no colo, o afagou e o ninou para que voltasse a dormir...e ali seguiram, ela e sua nova família...

MarielOnde as histórias ganham vida. Descobre agora