Capítulo 23 - Único sentimento

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" O amor é o romance do coração, a sua historia é a do prazer."

Pierre Beaumarchais

Depois de minha conversa com Claudio a dias atras, eu disse que tentaria viver, novamente ele respeitou meu silencio e assim é melhor.

Me sinto tão vazia, tão sem vida, nada nunca irá preencher o que me foi tirado.

Já faz um bom tempo que não sei o que é ter algum sentimento, estou apenas sorrindo quando sei que é para sorrir, choro quando sei que tenho que chorar, falo quando tenho que falar, enfim, observando as pessoas eu tento me portar igual.

Desde aquele dia que acordei no hospital percebi que nunca conseguiria me matar, irônico não?! As pessoas deveriam aceitar as escolhas alheias e se eu queria morrer, simples deixem, mas não foi assim e ainda para variar agora estou presa em uma promessa que refiz pela segunda vez: Prometi viver!

Estou no meu apartamento e com Claudio me vigiando o tempo todo, hoje terei consulta com um psicólogo e logico que por insistência dele e não por vontade, acredito que nunca haverá alguém que possa me consertar.

- Psiu, no que está pensando? Vai se arrumar para irmos a consulta, irei te acompanhar. – Disse Claudio com seu tom de voz baixo e gentil, acenei em concordância e fui para meu quarto.

...

Depois de um tempo de espera era minha vez de entrar na sala, olho para meu melhor amigo que sussurra um "eu te amo", sorrio de leve e vou em direção a porta, entro na sala cautelosa, olho tudo ao meu redor e a sala tem cheiro de livros e madeira velha.

Sento na cadeira a frente daquele homem, seus olhos era azuis e seu cabelo meio grisalho, tinha um ar de calma em seu "Olá", saiu sutil e gentil, junto a um sorriso estampado no rosto. Retribui com meu sorriso ensaiado.

- Helena, fico feliz que veio a consulta. Podemos começar?

- Sim!

- Você está aqui devido a orientações médicas, no seu histórico consta duas tentativas de suicido e abuso sexual. Como anda se sentindo esses dias?

- Nada, não sinto nada.

- Certo, quer falar sobre o ocorrido ou como se sente?

- Não quero falar sobre o ocorrido.

- Certo, tudo ao seu tempo.. Hum o que faremos então durante sua hora de consulta? Podemos jogar cartas e apostar algo. A cada partida que eu ganhar você me responde uma pergunta e a cada partida que você ganhar você pode fazer uma pergunta. Podemos? – Disse o psicólogo e eu concordei, ele foi até o meio da sala onde tinha uma mesa de centro e eu o acompanhei.

Ele pegou o baralho e começou a dar as cartas, iriamos jogar 21.

Começamos o jogo e eu ganhei a primeira partida.

- Certo, diga sua primeira pergunta Helena.

- Qual o sentido deste jogo? Digo, por que jogarmos e se eu não quiser responder a sua pergunta?

- Certo, o jogo seria mais para descontrair, sobre se quer responder ou não, tudo será no seu tempo, se quiser podemos passar horas apenas olhando um para o outro.

- ok!

Na nova partida ele ganhou.

- Helena, você sente raiva?

- Não, assim como nenhum outro sentimento. Na verdade, tem um.

- Qual?

- Apenas uma pergunta por vez, já respondi sua pergunta, terá que ganhar outra partida.

...

Depois de 40min ele não havia ganhado mais nenhuma partida.

- É, ou sou péssimo neste jogo ou você é muito sortuda.

- Na minha vida nada de sorte, deste meu nascimento até o momento.

- Ganhei mais uma e – Ele ajeitou o óculo e me olhou com um sorriso – este sentimento que tem, qual é?

- Vazio, este é o sentimento!

- Já sentiu preencher este vazio em algum momento? Já conseguiu sentir algo além de vazio?

- Não deveria lhe responder, afinal, não ganhou nenhuma partida, mas irei responder. Vazio é o que sinto, ou seja, o nada, sem tristezas, alegrias, raivas ou frustrações. Já me senti preenchida com coisas como sexo, posso ter sofrido o abuso sexual, só que o ato sexual por alguns instantes me proporciona uma certa satisfação. Lembro da primeira vez que fiz depois dos primeiros anos de abuso e foi diferente, era uma sensação sem controle. Me masturbo frequentemente é ótimo.

- Então – Ele pareceu procurar as palavras – Você sente um forte desejo sexual?

- Basicamente isso e sei que não deve ser normal, mas quanto maior for a aventura, maior é minha vontade.

- Entendo, muitas vítimas de abuso sexual tem a tendência de se tornarem ninfomaníacas ou torturadoras na hora do sexo, outras se tornam assexuadas ou até mesmo frias e no seu caso você desenvolver este distúrbio sexual junto a falta de empatia seria normal e podemos trabalhar isso e você ter uma vida normal.

- Coisas que eu já não sabia. Mas quem disse que quero uma vida normal?

- Helena, se você quer satisfazer seus desejos eu não vejo problemas nisso, desde que não coloque sua vida em perigo e saiba o limite. Iremos fazer as seções de terapia semanalmente e avaliarei seu caso e vejo se será necessário passa-la em um psiquiatra. Por hora deixaremos marcado para semana que vem e iremos realizar alguns testes. Tudo bem para você?

- Não, porque não quero voltar mais, não vejo logica, necessidade ou vontade. Minha única vontade agora era de te tacar neste sofá e sentar em seu pau. Depois de gozar iria para casa super animada e pronta para tomar um bom vinho. Tenho 17 anos, sei e você deve ter o que uns 39 anos? Mas desculpe sou assim. Sexo é a única coisa que as pessoas fazem, seja por amor ou diversão.

Ele me olhou assustado, respirou fundo, mas antes que ele dissesse algo, fui em sua direção e passei a mão sobre seu membro, o olhei nos olhos e sussurrei: Já deu minha hora, te vejo semana que vem. Ele me olhou espantado.

Vou mostrar para esse psicologo quem precisa de controle.

Ninguém pode consertar um cristal quebrado, sem valor ou serventia. – Digo para mim mesma, sorrio em direção ao Claudio e saímos de lá.

VazioWhere stories live. Discover now