A ASCENDÊNCIA DO TRAIDOR

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OS PRIMEIROS MINUTOS SÃO os mais desesperadores. Quando ouço o disparo e em seguida os gritos do Nícolas apenas as piores ideias surgem na minha cabeça. Alguém deve ter morrido, mas quem? Thaís é a primeira pessoa que penso, mas não faz sentido pois acabei de falar com ela no quarto ao lado e o disparo parece ter sido um pouco mais distante. Depois penso em Mariana que pode ter entrado em alguma discussão com o Nícolas e uma enorme merda acabou acontecendo, mas essa seria a reação que ele teria se algo de ruim acontecesse com ela? E se foi o traidor? E se ele percebeu que achar a porta foi o primeiro passo para que saíssemos vivos desse lugar e achou que teria que começar seu massacre? E se ele começou, quem foi seu primeiro alvo? Esse grito de Nícolas foi um grito de dor ou de espanto? Eu não consigo diferenciar. Visto a mesma roupa que estou usando desde que entrei aqui enquanto todas essas questões rodopiam meu cérebro me fazendo ficar enjoado, saio de dentro do banheiro às pressas e corro, ultrapassando sem jeito os entulhos que atrapalha a passagem, e vou na direção aonde acho que veio o alto, ríspido, terrível e vazio grito.

A primeira pessoa que eu encontro ao chegar é Mariana de pé apontando sua arma com muita precisão em direção ao corpo do Nícolas que também está de pé a sua frente. Ele está parado, congelado, com seus olhos duros vidrados no chão, ele parece não notar ou não perceber a ameaça que Mariana está lhe promovendo.

Ao lado dela é claro que encontro Katarina, elas nunca se separam. Mas ela não porta a arma, ela apenas faz movimentos rápidos de olhar para o chão e depois para Nícolas. Não entendo muito bem o que está acontecendo, até que olho para o carpete a alguns centímetros depois dos pés delas e encontro o bolo de carne sangrenta sem consciência, também conhecido como José. Eu sabia que alguma coisa desse tipo tinha acontecido, mas presenciar uma morte bem a minha frente é completamente diferente. Paro de sentir minhas pernas na mesma hora, caio sobre meus joelhos e o enjoo que estava sentido foge para fora da minha garganta. A cena é horrível.

Thaís não demora muito para aparecer atrás de mim. Ela consegue ver o problema de imediato. Passa correndo me esbarrando e se joga no chão ao lado de José, acho que ela nem percebeu o que está acontecendo além disso, porque ela não olha em nenhum momento para a arma da Mariana. As mãos dela se encharca de sangue em questões de segundo ao começar a apalpar o corpo morto dele sem medo, à procura de alguma coisa que eu não entendo o que é.

–Por que você atirou nele? – Mariana grita impaciente. Mesmo portando essa postura percebo que ela está tremendo muito. Todos estávamos cientes dessa ameaça, mas presenciá-la e perceber que ela é real muda nosso estado aqui dentro.

–N-não fui eu, e-eu juro... – eu nunca tinha visto esse semblante nele. Nícolas sempre esteve pronto para atacar, sempre se manteve forte e destemido, ninguém nunca confrontaria aquela muralha. Mas agora, seus olhos duros transbordam medo, pavor e um pouco de surpresa, seu corpo treme nitidamente e ele não consegue ter precisão na fala. –Estávamos andando por aqui, quando... quando ele tentou acertar a merda desse taco naquela televisão... – ele começa a passar a mão com força na cabeça e a suar. –Uma arma saiu da parede e atirou nele... eu não tenho nada a ver com isso.

–Acha mesmo que iremos acreditar nessa história, Nícolas? – mesmo com toda essa tensão Mariana ainda consegue soltar um riso. –Vamos acabar com você.

–Mariana, escuta, você precisa acreditar em mim. Sei que nunca nos gostamos e você tem todos os motivos para acabar comigo, mas não por isso. José era meu amigo, eu nunca o mataria... eu nunca mataria ninguém de novo.

–Ele tentou te atacar? – Katarina pergunta.

–O que? Claro que não, José não faria mal a uma mosca... ele não... – Nícolas cobre o rosto com as mãos.

Apreciados A Ascendência do Traidor [CONCLUÍDO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora