{Cap.3} Retirada.

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Para a atualização de dados; esta é uma segunda e a minha frente está o abrigo de Florinda. Pelo causo da imaginação, é uma construção de dois andares num amarelo que parece creme. Passa uma ideia de modelo velho de casa, mas é tão espaçoso para caber todos os donos e seus cachorros.

Se me lembro bem, Florinda sempre teve disto de ajudar. Aprendeu a cozinhar pela inspiração de uns de seus avôs e, em simultâneo, obteve um bom jeito com a lábia. Era isto ou sua personalidade era compatriota com a causa dos abandonados. Poderia ser um daqueles deslizes em que o autor da obra se envolve tanto e por fora há aquela encaração por amor ardente, quando na verdade pode vir a ser o triste encontro que a pessoa vê de si mesma dentro dos outros. Não que isso também seja algo para valer a pena listar. É apenas para causos de informação. Então do meu ponto de vista... que seja! Ela ajuda os necessitados.

— Muita coragem de sua parte levar alguém ao médico sem seus documentos. — Florinda disse ao sair do abrigo, olhando entre meu rosto e o ponto atrás dela.

Não dera tempo nem da mesma atravessar a rua e eu já deveria ouvir seus resmungos. Poderia ser culpa do segundo dia de outono? As ruas tinham um aspecto frio. A sensibilidade era tanta que poderia ser renomeada como um inverno repaginado de cor outono.

— Florinda, você disse que ela precisava de tratamento médico.

Caminhávamos pela rua, reparando em cada pessoa que passasse por nós em um misto de que parecia criminoso o que estávamos fazendo.

— Não sei se quero entrar lá dentro com você. Sabe, e se ela for uma foragida?

Florinda falou a última frase num sussurro, acreditando que a Desconhecida, que veio com ela, embora eu não tivesse narrado esta parte, pudesse ouvi-la. Se zangaria se entendesse? Duvido que ela compreenda, parecia completa em seu mundo. Não estava dando a mínima entre andar pelas calçadas e parar em frente ao sinal. Pulei suas preocupações e me concentrei em apenas seguir. Esta era minha meditação, um diagnóstico médico, uma saída simples seguida de mais nenhuma preocupação para o fim do dia.

I

Éramos em quatro numa sala cinza sem graça, deveras uma decoração feia! Um silêncio esquisito que vinha do psiquiatra. Por um momento pensei em dialogar, mas entrei numa crise de pensamentos. E se produzisse sinais que eu mesmo desconheço? E eu me veria levado em lugar da desconhecida?!

— Realizamos alguns exames, o qual seu plano de saúde cobria. Seria mais interessante se soubéssemos quem ela é.

— É disso que falo doutor, não a conhecemos! — Florinda esclareceu.

— Não quero dizer que ela seja uma ameaça, está muito longe de ser isso. Na verdade, vocês terão certos desafios com ela.

— Vão internar ela e o preço para isso vai além do meu plano de saúde?

— Não Nael, essa mulher pode ter passado por um forte trauma, ainda não temos certeza. Seria importante observá-la por um maior período e contatar alguém que a conheça para podermos compreender quais são as causas para o estado em que ela se encontra. Pode ter perdido parte de sua memória. — passou rápido o olho na prancheta — Vocês dois serão de grande ajuda a ela, teremos um longo caminho pela frente a tentar estimulá-la a se lembrar de quem é. A recuperação dela depende de vocês.

Queria ter a consciência da hora de correr ou fugir, não notei quando o som audível se foi ou quando Florinda resolveu pular do barco e deixou a Desconhecida como minha responsabilidade. Tive que a levar para minha casa, senti que lhe haviam abafado a fala porque tinha agora a mesma sensação.

— É uma casa pequena e sem luxo. Não deveria justificar para você, é melhor do que viver na rua.

Ela se sentou no sofá alaranjado, se remexeu um pouco, a textura deveria ser esquisita, pois o havia comprado no mês anterior e não tive uma real necessidade de tirar o plástico que o cobria. A Desconhecida sorriu para mim. Senti um frio na espinha. E se aquela mulher fosse tudo do estereótipo de que Florinda tivera falado?

Na geladeira só teria tudo que eu consideraria poder comer em uma segunda, sardinha e ovos. Virei para notar a moça, enxergar se havia algo rebuscado em seu paladar, não parecia, na verdade não havia tática para isso. Estava matando o tempo de novo, parado tentando calcular uma rota. Deixar aquela mulher em meu apartamento e ligar para a polícia? Na cadeia tem comida e lugar para dormir, mas me doía por dentro, ela parecia totalmente perdida e sendo ainda minha responsabilidade. Esse era outro problema, teria que gastar esforços com alguém que não conheço.

— Hum! — ela fez barulho com a boca e apontou para o fogão.

— Ok, você tem fome. Espero que goste de ovos e sardinha.

Tentei não ficar de costas para ela em nenhum momento, pedi para que se sentasse em uma cadeira que coloquei perto do fogão. Notei ser uma boa observadora. Tive a impressão de que ali teria um cachorro de estimação e mesmo para minhas piadas internas esse era um pensamento horroroso, não irei me orgulhar dele.

— Você pode tomar banho, o banheiro é bem ali na esquerda.

Então por um longo período ficamos parados olhando para o rosto um do outro.

— Ok, eu te mostro onde é.

Dei-lhe a toalha e abri a porta do banheiro esperando que ela entrasse. Talvez esperasse por roupas limpas, fui correndo até o guarda-roupa. Quase jogando as roupas para o alto enquanto minha mente produzia a energética e rápida trilha sonora de filme de terror, aquela que toca quando algo está para se aproximar. É de se expor, qualquer roupa serviria, mas, por que eu não encontrava nada direito? Os dedos trêmulos, a testa a descer fios de suor e então o pressentimento, também o ápice da minha trilha sonora mental, eu não estava sozinho no quarto. O pescoço estava pronto para girar, se vamos morrer que seja rápido; senti o toque. Mas era só uma calça jeans que havia caído do cabide.

Saí cambaleando do quarto, me sinto tonto das duas maneiras possíveis. Ela estava do mesmo jeito, paralisada em frente ao banheiro.

— Já está plugado no quente.

A empurrei de leve para dentro a entregando as roupas e voltei para cozinha, havia deixado as sardinhas no fogo. O corredor estava iluminado, suponho que não haverá nenhum assassinato essa noite. A garota, a desconhecida, está alojada em meu quarto. Apenas a simples claridade do abajur da sala não me deixa ler os artigos do trabalho, e a minha mente não se concentra em outra coisa a não ser análise, queria poder escutar a respiração dela. Como nesses filmes de terror, então saberia onde sua concentração estaria reunida. A sala dá uma ampla visão da cozinha e corredor, pois não há divisão de paredes, o sofá esta perto da janela, qualquer coisa é só pular. Não sei porque tenho me preocupado tanto, voltarei a ler.

É isto mesmo! Não estarei preocupado com a possibilidade de me apegar a ela. Se tivesse alguém em que eu pudesse ligar para dizer sobre isso... talvez alguém lá fora a estivesse esperando, e quem sabe haveria uma recompensa por encontrá-la? Então eu poderia me mudar para um apartamento melhor.

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