{Cap.15} Um pedido de sonho.

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O dia estava nublado e o vento assustou Adaliz com a baixa imunidade de Hylla: "Grávidas não precisam se dar ao luxo da gripe", assim ela disse. Este foi meu tédio, ficar em um apartamento com três mulheres em que duas se sobressaiam a mais nas palavras. Hylla ficou encantada por ter uma exposição com cinco pinturas de Bárbara até agora. Elas se levam por muito pouco. E eu não deveria assumir o meu mestre interior que consegue distinguir pontos de vista? Por certo resolvi ficar longe da sala e trabalhar em meu quarto em minha reclusão. Disponho de ainda querer correr atrás de meu sucesso, poderia o alcançar e por completo e com um suspiro de finalmente, enfim acho que já é uma hora muito longa. Sim, estava reconsiderando tudo que havia pensado antes, acredito que é este meu problema de ser inconstante, não tenho a mais quem culpar. É difícil contemplar esta realidade sem meus próprios filtros.

— Se criarmos uma rede social será até mais fácil de ganhar público, eu posso trabalhar na propaganda, tenho alguns contatos famosos que também podem te promover. — Hylla disse empolgada.

— Não venha com essas bugigangas, o que você precisa é de uma exposição de arte, se conseguirmos algum espaço bem aberto, é claro. Os visitantes serão atraídos e isso será um clássico! — Adaliz falou erguendo as mãos para cima e alisando o ar.

— Mãe, algumas coisas precisam ser atualizadas com o tempo, um exemplo disso é essa sua proposta, mas me diga Bárbara, o que mais gostaria? Tenho certeza que deseja um feedback. Podemos seguir das duas maneiras — voltou a falar para si — são ideias que se complementam, daria certo.

— Você nem a deixou responder! Nós a incomodamos muito?

— Penso sobre marcar. — afinal de contas conseguiu responder.

— Uma marca? — Hylla repetiu com a testa franzida.

— Sim, na pintura como as-si-ssi-nar, como se ela fosse minha. — ela permaneceu atenta a janela ignorando o contato visual.

Eu quase não consegui me impedir de saltar da cozinha, não que houvesse paredes nos separando. Me pressionando a permanecer no balcão e apenas observar as feições de Bárbara, sua voz geralmente suave, mas agora soando triste. Sua expressão é perturbadora, como se estivesse pensando com a cabeça, uma cabeça ainda não acostumada, seu rosto não poderia negar a incongruência, podemos entender um pouco o que a mortifica. O ponto era qual era o seu eu. O único, daquilo gerado por ela, do traço de quando era, em sua própria identidade.

— Anotamos num bloquinho de notas algumas sugestões, é assim que começa, pelo menos em empresas para decidir nome. Vem Nael, você também precisa ajudar! — Hylla a pegou pelo braço voltando-se para a tela do celular.

Não éramos nada experientes para guiar Bárbara nisso, queríamos lhe ajudar da melhor forma, julgo que menos Hylla, parecia fazer isso mais para ocupar a mente do que pelo gosto.

— Vejam, há tantas pinturas nessas bugigangas, e se você ver algumas dessas pinturas e reconhecê-la como sendo sua? — Adaliz passou os dedos apressados pelo celular.

— 'Sendo minha?' — repetiu com falhas, prestes a chorar.

— Mãe! — se esquivou para o lado para que de maneira baixa conseguisse ouvir — Você mesma disse haver muitas pinturas, como ela saberia?

— Eu...

— Parem de a deixar confusa. — voltei a sensação de desespero, queria deixá-la aqui, sem mais interrupções — Bárbara? Você não precisa procurar por algo que talvez e ainda apenas talvez acredite ser seu. Por que só por enquanto não assina como Bárbara?

— Me parece que já tenho um do qual gosto muito, mas eu não sei, na ver-da-de não me lembro qual é. — foi difícil de ouvi-la, saiu muito baixo, ela já não nos olhava, seus olhos atravessavam a janela.

Adaliz pousou a mão sobre o peito dela em sinal de condolências, fechou os olhos e quando mexeu a boca acreditei que estava implorando a Deus por ela. A geladeira estalou mais uma vez e repercutiu por seu barulho rotineiro*¹ e esse era o único som, Hylla pareceu decidir que não falaria mais, olhou para sua mãe, talvez tivesse o mesmo desejo, manter-se tão equilibrada quanto ela.

Por ali, e se eu desse dois passos para trás? Meu próprio conforto é bem fundamentado: eu até tento, quando não consigo é porque sou humano e não tenho forças para ser constante... de fato tenho força para fazer aquilo que me apraz. Nada se conecta mais, é tudo muito confuso! Como posso deixá-la? Largar tudo? Se meu desejo grita dentro de mim e ele diz siga o seu caminho! Se isso tem um propósito, não é nada bonito. Eu realmente estive esperando muito mais do que eu quero ouvir e fazer. Isso também é o que me deixa desconfortável, ter que escolher. Qual dos dois devo negar para não me arrepender no final?

Adaliz ficou a afagar o cabelo de Bárbara, desta vez não parecia distante, apesar de esta semana ter ficado neste sentido abobalhado. Ela poderia estar bem perto, de provável revirando em si a procura da que não sabemos e não conhecemos. A que parecia estar esbravejando de um modo ironicamente silencioso, possivelmente estaria logo a aparecer. Mesmo que quisesse amenizar-se, neste vai-não-vai ela ainda estaria ali no meio de Bárbara a incomodando. Porque Bárbara poderia ser apenas um sono profundo e que viraria de vez a Desconhecida um dia, assim que ela resolver despertar.

Tomei bem ali uma conclusão enquanto Nael e Nael gritavam a mim que eu estaria louco. Mas a abatida verdade era de que não mais queria conhecer-lhe a história, não tinha mais nenhuma faísca de curiosidade em saber o porquê. Eu vivia para mim então, devo admitir, mas agora há outra pessoa, é uma missão, certo? Nem sou mais quem era. Tenho jogado todas as minhas perguntas fora, tenho aumentado espaço cabível em meu ser para ela. Então eu não estava vivendo minha vida, e isso é ruim? Tenho tantas mudanças designadas por ela, mudanças que ela nem percebeu. Pois tive de repente que abdicar e me compadecer de alguém e zelar por sua segurança. Mas os sussurros continuavam me incomodando como se estivessem muito perto dos meus ouvidos, estava louco conspirando a uma ação divina, voltando a acreditar também na espiritualidade; 'Mudar é meu trabalho, mudar é meu trabalho' repetido várias vezes, 'Você não tem poder sobre isso'. Pensei, mas tentei ignorar, Adaliz até me informou, "era impossível", ela continuou "é importante aplicar o remédio mais forte na ferida e só depois os fracos". Então é isso? Este seria o caminho? Será uma porta, uma passagem e isso é tudo! Eu sou uma porta para ela também? Apesar, como posso aceitar isto? Comecei realmente a me relacionar com os outros ao meu redor, ela era meu verdadeiro benefício! Não posso deixá-la ir.

— Que palavras tolas são essas Nael? Você sonhou com o dia em que a veria ao longe!

Este sussurro eu reconhecia entre os milhares de pensares, não eram essas as minhas palavras? Esse tom é o meu, eu sei a quem pertence esta voz, Nael e Nael, digo, se acalmem. Quero que ela se recupere, mas sinto que não posso mais a deixar ir.



NOTAS

*¹.(ROTINEIRO) relativo a rotina; costumeiro, habitual, quotidiano.

*Foto do capítulo de cottonbro no Pexels.

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