23:16 PM

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"Onde está ele, mamãe? O meu pai já está vindo?"

A minha mãe me olhou fixo. Eu sabia o que aquele olhar queria dizer. Já o vira vezes demais para entender que algo não estava certo. Talvez, mais uma vez, ele não viria. Meus olhos
infantis estavam se enchendo de lágrimas. A minha mente de criança trabalhava insensantemente querendo saber o por que, mais uma vez, o meu pai não viria.

"Eu vou ligar para ele novamente, meu amor."  a minha mãe falou, dando-me um beijo na testa antes de se afastar com o celular em mãos.

Quando ela se afastou o suficiente, eu a segui, como vinha fazendo há um tempo. Vi-a cochichando no celular, sei que agora era para que eu não a escutasse. Eu escutava.

Encostada perto da porta, escondida, eu ouvia o de sempre:

"O que aconteceu dessa vez? Cadê voce?"

A voz da minha mãe era firme e questionadora, denotando a sua raiva perante a atitude do meu pai.

"Ah, tá. Então é essa a desculpa da vez? Está se tornando repetitivo"

Havia muita raiva em sua voz, e demasiada tristeza em meus olhos.

"Você só precisa passar um dia a cada mês com ela, será que isso é tão díficil para você?"

Exaltava a voz, mas tentava controlá-lo bem rápido, diminuindo consideravelmente o tom e voltando ao que estava antes, provavelmente para que eu não escutasse.

"Tudo bem, de qualquer forma, ninguém aqui precisa de você. Nunca precisou e nunca vai precisar, só... Pensa no que está fazendo."

Desligou.

Eu voltei para a sala bem rápido, sentando no sofá. A minha mãe chegou segundos depois, sentando-se ao meu lado.

"Ele não vem, não é?"

A minha mãe sorriu para mim, como sempre fazia, acariciando os meus cabelos.

"Ele andou meio ocupado, meu amor. Mas prometeu que vai vir o quão antes possível"

As lágrimas ainda estavam rolando pelos meus olhos tristes.

"Por que ele nunca tem tempo para mim?"

Sem fala, a minha mãe me abraçou. Era o que ela sempre fazia, enquanto as lágrimas desciam torridamente pelo meu rosto.

23:16 PM

— Angelina? —  ouço William me chamar outra vez. Dessa vez, posso quase sentir o ar que escapa de sua boca por ele estar tão próximo.

Eu faço o exercício de respiração que a doutora Alyssa me instruiu, voltando pouco a pouco. Meus batimentos cardíacos vão se normalizando. Não completamente, porque a agitação em meu peito ainda permanece, mas, no entanto, está bem menor. O que vejo quando volto a minha visão para a frente é, novamente, William bem próximo a mim. Seus olhos denunciam o misto de confusão e desorientação que ele está, além da preocupação evidente.

O que me assola primeiro é a vergonha, por que deixar que a minha fraqueza venha a tona em sua frente não me deixa nenhum pouco confortável e segura de mim. Eu tento limpar as lágrimas discretamente, mas sei que ele já as viu. A minha garganta ainda está queimando, o que sempre acontece quando estou chorando. Tento fingir que nada aconteceu, empurrando a massa negra e ondulada de cabelo longo para trás dos meus ombros.
Ele continua muito perto, cheio de dúvidas cruzando os seus olhos castanhos. De qualquer forma, preciso lhe falar algo, mesmo que seja apenas para tirá-lo da posição em que se encontra.

— Estou bem… Pode? — digo, olhando bem para ele, sem me focar demais em seus olhos. 

Ele se afasta, entendendo o recado. E, mesmo assim, seus olhos permanecem grudados em mim, claramente em busca de uma resposta.

— Desculpa. — ele diz, o que me faz olhá-lo sem entender absolutamente nada. Então, ele continua: — Eu não devia ter entrado em detalhes sobre o colégio.

—  Não precisa se preocupar com isso. Não tem nada haver com isso. — respondo-lhe. Na verdade, tem um pouco haver. Foi naquela mesma época, em que, além de ter lidado com amizades tóxicas demais, o meu pai voltou a minha vida, embora não por escolha própria. — Eu tenho ansiedade. E, de vez em quando, eu tenho algumas… crises. Mas agora está tudo bem.

Ele balança a cabeça de um lado para o outro, demonstrando que me entende.

— Se quiser conversar… Sei que não nos conhecemos bem, mas… eu estou aqui.

Eu sei que a poucos minutos estávamos tendo alguma espécie de discussão, pondo os pratos sujos para serem finalmente lavados. Mas, mesmo assim, quando ele diz isto, eu sinto lá no fundo que eu posso confiar nele. Eu quase me abro, mas sei que ainda não estou pronta para isso. As únicas pessoas que eu costumo falar sobre o assunto é a doutora Alyssa e a minha melhor amiga e, por enquanto, eu quero que fique assim.

Quando não o respondo, ele tenta mais uma vez:

— Talvez devemos deixar de falar no passado… — sugere.

— Não. Acho que já que estamos aqui, devemos aproveita e falar tudo o que precisa ser dito. — aponto, esperando que ele concorde.

William balança a cabeça em afirmação.

— Acho que devemos fazer uma espécie de revezamento, como estávamos fazendo antes, no jogo para nos conhecermos. — ele sugere novamente e, quando pergunto a ele como irá funcionar, ele explica: — Eu digo algo, depois você fala. Mas a gente não pode atrapalhar o outro quando estiver falando e nem tentar impor a nossa opinião. Cada um vai ouvir o que o outro tem a dizer e depois a gente conversa sobre, o que acha?

Vejo expectativa em seus olhos. A sua ideia me agrada.

— Acho uma boa ideia. — tento sorrir para dispersar a tensão.

Ele sorri para mim também. As duas Angelinas observam tudo atentamente, como se estivessem assistindo a um fime.

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bjxs,

Triz

Meu BluesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora