Capítulo 7 - Parte Quatro - A

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Naquela noite Gerard ficou acordado até tarde ponderando fugir, como Frank, talvez. Então sua mãe poderia viver no hospital e Mikey teria companhia. Mas aquilo iria apenas deixar seu irmão chateado, e sua mãe também, provavelmente. Sem mencionar que Gerard iria morrer se tentasse ser um homens das cavernas ou um eremita na floresta. Ele não conseguia descobrir como consertar as coisas e terminou ignorando seu plano de tentar ficar sóbrio naquela noite; ele só queria parar de pensar sobre Mikey na escadaria, sobre Mikey deitado sozinho no hospital escuro, resfolegando em seu sono.

No dia seguinte na escola, ele estava em um humor terrivelmente merda. E ele ainda não tinha sua própria bolsa, apenas a mochila de Mikey, desproporcionalmente pesada em seus ombros e cheia de canetas mortas.

Ele sabia que estava sendo um babaca, olhando para todo mundo com uma carranca e respondendo tudo com monossílabas. Ele estava provavelmente deixando Ray maluco e irritando Bob, mas ele não podia impedir a si mesmo. Cada batida de seu coração palpitava em suas têmporas, como se elfos mutantes de Athena estivessem tentando perfurar seu crânio. E a porra do Ted tinha passado toda a aula de história tagarelando alto sobre seu casaco com a estampa do Bowie e Isaac tinha empurrado ele, fazendo­o cair de um lance de escadas no caminho para o almoço e todo mundo riu dele. Era um dia fodidamente horrível, terrível, e Gerard iria preferir mastigar sua própria cara do que continuar em Vermont por mais três segundos.  

Porém, ele não queria reclamar, não em voz alta, então ele só sentou quieto durante o almoço e encarou seu prato de alface murcho e tentou resistir à urgência de deitar sua cabeça sobre a áspera madeira da mesa e dormir para sempre. Patrick olhava para ele de forma engraçada e interrompeu uma conversa sobre cítaras pela metade para lhe oferecer um chocolate extra-­amargo e um punhado de Excedrin.

"Você meio que parece que quer morrer", ele disse simpático e Gerard não sentia que um pouco de doce e remédios iriam lhe fazer se sentir diferente, de verdade, mas aquilo foi um gesto legal de qualquer forma. Era bom lembrar que haviam pessoas decentes ali, que não era apenas Ted e seus cachorrinhos e a staff do ensino médio do inferno. 

Ele até tentou se reanimar um pouco em biologia, onde eles estavam dando um tempo da dissecação para assistir o especial no NOVA de "Missing Link", que era, para todo caso, bastante fofo. Como uma Tartaruga Ninja sem casco e com uma cauda de peixe.

"Ele parece Michelangelo pra mim", Ray comentou depois de Gerard compartilhar seu profundo insight. "Talvez aquele bicho esquisito possa ser Slinter?"

Gerard estava prestes a falar sobre a hipótese de quem seria Shredder — um daqueles Placodermos com dentes gigantes, talvez? — mas aí a professora chegou e os mandou calar a boca.

Sem uma boa conversa acontecendo, era difícil se manter acordado. Era um dia tristemente cinza, o sol estava amuado por trás das nuvens e o narrador zumbia de modo calmante sobre lóbulos e pulmões. A maioria da turma estava dormindo, despencados inconscientes sobre suas mesas, sombreados e sem feições. Gerard pensou que Ray havia adormecido também, a cabeça apoiada em uma de suas mãos, mas então ele cutucou Gerard no ombro, fazendo-­o pular.

"Então, sério", ele sussurrou. A garota sentada atrás deles se remexeu minimamente, bufando em seu sonho e Ray diminuiu sua voz ainda mais. Bem, o mais baixo que a voz de Ray conseguia ser, de qualquer jeito. "Amanhã é sexta. Você tem que ir lá no Bob, okay? Vamos jogar video game até vomitarmos. Tá dentro?"

Gerard tinha sido um puto o dia todo, ele sabia que tinha sido, e ainda assim Ray estava sorrindo esperançosamente para ele, conversando com ele, convidando-­o para sair. Era estranho. Ray era com certeza a pessoa mais legal que Gerard já conheceu, na vida toda. Gerard mordeu seu lábio. Ele não— ele gostava de Ray, de verdade. Era só... ele era uma merda com festinhas. Pete e Gabe viviam arrastando-­o para festas em Jersey, mas ele sempre terminava sendo aquele garoto estranho no canto que fuçava as estantes de livros, bebia toda a tequila e não conseguia manter uma conversa.

Anatomy of a Fall (portuguese version)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz