Capítulo 12 - Parte Seis - B

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A chuva fez a sala de aula mais escura, cheia de sombras precipitando­se pelas paredes e luzes aguadas. Gerard andou encurvado até a escola embaixo de seu guarda­-chuva inútil, os pés gelados e mochados, entorpecidos, e chegou com com o delineador borrado formando teias de aranha em suas bochechas e suas roupas minuciosa e miseravelmente úmidas.

Era como uma sala totalmente diferente agora, cinza escura e preenchida com o som do vento jogando chuva contra as janelas, como se a tempestade estivesse tentando entrar no prédio e achar Gerard, apenas para ter certeza que ele estava completa e minunciosamente ensopado. Chuva filha da puta.

A Senhora Hall estava escrevendo alguma coisa no quadro, o ralar do giz contra o quadro misturando­se com o barulho inofensivo da chuva dentro de um buraco descosturado cinza. Ele se perguntou se a chuva incomodava Frank, se ele ao menos ficava sólido quando Gerard não estava lá para vê-­lo. Se era estranho ter água caindo através de sua pele. Merda, ele não devia estar pensando sobre isso agora, provavelmente.

Ted parecia estar em um humor particularmente insuportável naquela manhã, cabelo emplastado em sua cabeça e flanela gotejando. Ele tinha se sacudido quando ele vagou pela mesa de Gerard, manchando seu caderno com gotas azuis aquosas. E então ele passou o resto da aula chutando as costas da cadeira de Gerard, uma pancada irregular e dissonante que Gerard forçou si próprio à aproveitar os momentos em que ela cessava abruptamente.

"Sua maquiagem tá escorrendo, viadinho", Ted sorriu com escárnio, se debruçando sobre as costas da mesa de Gerard. Ele lutou contra a urgência de esfregar suas bochechas.

"Eu sei", ele disse cerrando seus dentes. Porra, estava frio ali. Era difícil de se concentrar, de reconhecer a realidade, depois da noite anterior. Ele acariciou seu pulso destraidamente, sentindo os ossos delicados. Ele se perguntou o que Frank estava fazendo agora, se ele não dormia nunca, não sonhava. Ele só— para de existir? Ou ele estava sempre lá, sempre meio-acordado. Talvez estar morto fosse como sonhar o tempo todo.

Ele se pegou rabiscando a tatuagem HALLOWEEN de Frank em seus próprios nós­-dos-dedos e teve que se parar antes que Ted ou Isaac notassem. Porra, Frank. Ele desejou que pudesse ter matado aula, ficado com Frank o dia inteiro na floresta, mesmo que estivesse chovendo e frio e miserável. Ele tinha que parar de pensar sobre aquilo, ou ele iria começar a sorrir e bancar o ridículo e brincar com seu cabelo e recriando a cena do boquete de Ghostbusters em sua mente, e aquilo não era saudável para ninguém.

Ele terminou entretendo-­se com o ato de desenhar uma garota à uma fileira dele, o que pareceu seguro o suficiente. Ela estava sentada em frente à janela e parecendo prestes a cochilar. A chuva estava lançando sombras estranhas sobre sua pele bronzeada e curvas arrolhadas. Ela era totalmente linda, Gerard notou — ele não era cego. Mas mais do que aquilo, havia alguma coisa sobre seu rosto, amplo e liso, com bochechas angulosas e arqueadas, como caligrafia Japonesa. Aquilo entrou em sua visão e iluminou um canto de seu cérebro. Ele mordeu seu lápis, pensando. Havia algo sobre ela que o lembrava as curvas de um violino ou uma viola.

"O que diabos você está fazendo", Ted disse em sua orelha, a cadeira arranhando o chão em sua direção. Gerard congelou, cobrindo seu papel. "Por quê caralhos você está desenhando minha namorada? Que porra, você é— você deveria ser gay!"

"Bi, na verdade", Gerard disse, sua mente totalmente em branco — e puta merda, aquela tinha sido a coisa errada para se dizer. Havia realmente uma veia palpitando na testa de Ted, Jesus. "Mas eu não estava, eu só ia— ela tem linhas interessantes, não é como—"

"Não olho para as linhas da minha namorada, seu merda doentio!" Ted disse incrédulo. A Senhora Hall iria notar o que estava acontecendo um segundo, e então Gerard iria bater em retirada para o corredor e pegar carona de volta para a civilização. Ou talvez, tipo, se esconder no Centro De Pesquisas Trumbull e se alimentar dos copos extras de pudim que as enfermeiras levavam para Mikey.

Anatomy of a Fall (portuguese version)Where stories live. Discover now