Capítulo 1

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"Se não ia ficar
Para me iludir com sua linda pele
Se desde o início sabia
Porque, porque, porque?

Tudo para quê?

Eu teria preferido
Que tivesse me falado claramente para já saber
Que seu amor se afundaria
Como um barco de papel

Se já sabia o que eu sentia e que não poderia ser
Porque deixou crescer?"

****

Já fazia alguns minutos que eu encarava meu reflexo no espelho quase sem piscar. E diferente de todas as outras vezes, a Maria que eu enxergava naquele momento, era tudo que eu repelia.

Uma Maria sem vontades, aterrorizada, reclusa e ousava dizer que parecia estar a beira de um precipício, prestes a pular. A mulher que me encarava suplicava, quase se jogava aos meus pés pedindo uma fulga. Essa nunca foi uma opção pra mim, mas naquele dia, naquele estado, aquela ideia me pareceu muito apetitosa.

O que estava acontecendo comigo? Desejei com todas as forças para que aquele dia, enfim, chegasse, dei todo meu suor pra que tudo estivesse perfeito, como planejei toda a vida, e agora eu estava ali, querendo apenas acordar de um sono ruim. Mas que diabo de pergunta era essa? Claro que eu sabia o que estava acontecendo, e como não saberia, se eu mesma fiz questão de arruinar minha vida com minhas próprias mãos?

Aquela Maria fraca que me encarava, parecia ter engolido a Maria que todos conheciam e admiravam. A mulher que eu costumava ser, e era há pelo menos dois dias, era forte, obstinada, cheia de vida e, principalmente, fiel ao seus princípios. Não havia sombra de mim naquela impostora.

Porém, diante de todos os fatos que me consumiam por dentro, eu não via para onde correr. Se eu contasse a verdade, decepcionaria a todos que me viam como uma pessoa correta e sensata; e se ignorasse a mesma verdade, me afogaria no meu mundinho de enganos. O que fazer? Essa era a pergunta que eu não parava de fazer desde que comecei a encarar aquela estranha.

— Maria – minha mãe invadiu meu quarto, que estava com a porta entreaberta; ela era toda animação – filha, eu sei que é tradição a noiva se atrasar, mas acho que já está na hora. – Ela se achegou a mim sorridente, como sempre.

— Nossa mãe, nem notei o tempo passando. – Deveria ter sido mais convivente, pois dona Lídia notou no mesmo instante minha falta de interesse.

— Filha, o que houve, que carinha é essa? – Perguntou, mandando a feição da água para vinho.

— Não é nada mãe, só estou nervosa, é isso. – Tentei disfarçar, virando o rosto.

— Ah Maria – deu um risinho, parecendo ter descoberto o motivo da minha apreensão – é absolutamente normal. Vocês dois são jovens, mas tenho certeza que vão se sair muito bem, e mais, vão me dar muitos netinhos. – Ela envolveu uma de minhas mãos, para me dar segurança, como sempre fazia.

— Claro que sim. – Forcei um sorriso de lado.

— Vamos, seu pai está nos esperando lá fora. Ah – ela me olhou de cima a baixo – você está linda!

Aquela limousine se tornou pequena diante de todas as emoções que estavam sobre mim. Tentei parecer confiante com as palavras da minha mãe, e tentei ficar firme ao ouvir do meu pai que eu era seu orgulho.

Aquelas palavras mexiam ainda mais com meu psicológico. Eu era a única filha deles, a irmã mais nova de cinco filhos, claro, a mais paparicada também. No caminho à igreja (que deveria estar linda, somente aguardando a minha chegada) vi os olhos deles brilharem, vi e senti o quanto eles estavam felizes por casarem a única filha. Imaginei meus quatro irmãos também a minha espera, todos ansiosos pela minha chagada. Provavelmente eles ficariam muito emocionados com a cerimônia, mas diriam que não derramaram uma lágrima sequer.

Um turbilhão de pensamentos invadiram minha mente e eu só queria expulsá-los dali, mas não dava, eu não conseguia. Isso me machucava demais, saber que eu não era, ou pelo menos não estava sendo a mulher que eles criaram e amaram com tanto esmero.

E então estávamos ali, parados frente a igreja, a poucos minutos de realizar meu sonho, mas meu corpo não se movia, eu não conseguia esboçar nenhum sinal de que sairia daquele automóvel. Meu corpo congelou.

— Está pronta? – Minha mãe perguntou, eufórica.

— Não sei. – Falei com sinceridade.

— É normal seu nervosismo, Maria. – Meu pai disse calmo, mas com um sorriso acolhedor de um pai que só quer o melhor para sua filha. – Você acha que eu não fiquei quando me casei com sua mãe?

— É filha, e ainda éramos mais jovens que vocês agora.

— Eu não sei se consigo fazer isso. – Afirmei quando as lágrimas começaram a rolar.

— Não chora, vai estragar a maquiagem. – Rapidamente, minha mãe começou secá-las com lenço que sacou da bolsa de mão que carregava.

— Eu não posso fazer isso.

— Maria... – Minha mãe me olhou preocupada, quando viu que eu estava prestes a abrir a porta.

— Diz a ele que eu sinto muito, peça desculpa aos convidados por mim.

— Maria, não faça nada que vá se arrepender depois. – Foi a vez do meu pai. Ele foi bem incisivo.

— Me desculpem, eu juro que não queria decepcionar vocês, mas hoje não vai ter casamento.

Com os olhos inundados, saí daquele carro e corri em direção oposta a da igreja. Ouvi gritos da minha mãe chamando por meu nome, e ainda senti alguns olhares de alguns convidados que estavam fora da igreja sobre mim.

Minha atitude não tinha volta, e sim, talvez eu me arrependesse, mas existia algo em mim que gritava para que eu recuasse. Não era do meu feitio magoar quem eu amava, e era o que estava fazendo. Um dia, quando tudo isso fosse esclarecido, talvez eu seria perdoada, mas naquele momento, fugir era o melhor remédio.

Amor nas EntrelinhasOnde histórias criam vida. Descubra agora