Capítulo 18: Nas Montanhas

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           A dobradura de papel manteve firme suas asas enquanto cortava o ar matinal das Montanhas. O corvo de papel que caiu no colo do príncipe trazia um alerta fortuito. Como eu odeio início da semana, resmungou Sõjo Sakebi. Um pouco mais que sonolento, se dirigiu até a porta, parando com a mão na fechadura ao ouvir a conversa dos machos no corredor.

— ... a trama não me escapa — argumentava Hyandô, o rabugento guarda a porta.

— Foi possuído por um tengu, capitão? Se o príncipe ouvir isso, poda suas asas — protestou alarmado o jovem Ayshi.

        O capitão estalou a língua.

— Não bastou ter escolhido aquela mulher como okumi, então, ela ataca o rei. Agora é a irmã traidora que cuida de sua majestade, e adivinha quem assumiu o comando se não o bastardo?!

— Isso só prova que o rei está velho, afogado por uma fêmea. Nínive nos odeia, se Sõjobõ não acordar. E aquela uma não deu as caras. A irmã dela não vai curar o rei, estamos condenados.

        Sõjo Sakebi deslizou a porta sem muito cuidado. O capitão se jogou de joelhos, e o outro estava petrificado demais para fazê-lo.

— Meu pai vai adorar ouvir esta conversa, senhores — interveio com desprezo régio. A menção a Sõjobõ fez o capitão implorar clemência às lágrimas. — Se tiver piedade, vai afogá-los em saque por beberem durante o turno.

        Sõjobõ não conhecia clemência, apenas lei e ordem.

— Foi Mestre Minato que trouxe a bebida, senhor. — Os olhos negros do jovem se sobressaltaram quando o superior o acusou. O príncipe se manteve impassível. Sabia que era verdade, pois só o filho do marechal podia se dar luxo de tamanha irresponsabilidade. — Pensamos que estava dormindo. Não queríamos ofender ninguém, os céus estão de prova...

        Quando ergueu a mão, o outro engoliu a voz de imediato.

— Ayshi? Mande Delilah me encontrar no Bosque do Carvalho.

        O príncipe se retirou para a sacada, deixando o guarda abobado decidir se o seguia ou cumpria suas ordens. Sem Nidaly e com a ausência de Eirmi Aoi, o príncipe estava revezando para escolher sua nova guarda entre os filhos dos nobres; porque seu pai não admitiria nada menos. Quando acordar, deixe-o ver quão jovens e imaturos são. Não unirei meu sangue a nenhum deles, não tomarei outro okumi. Sõjo Sakebi saltou deixando o ar atritar em sua face.

     Voar...?

      Era uma queda que perdurava.

         As roupas se debateram em protesto. Eu também detesto isso, mas não havia jeito. Pinheiros agulhados destoavam da neblina quando, enfim, abriu as asas. Negras como o mais lúgubre céu. Por mais que alguns instantes, cogitou que ela não viria. Delilah não trocara com ele mais que monossilábicos, desde a carta de Elawan. Em parte, não podia condená-la por isso, afinal, ele havia pedido, à beira da mendicância, que caso Nidaly destoasse nas terras ao longo do rio Negro, o nobre a capturasse. Isso beirava a loucura, e com toda certeza, insensatez, mas esperava que fosse o bastante para o feérico atender ao seu pedido. 

         A não ser que o desprezo que me tem, caia na vala da indiferença. Não, lembrou a si mesmo, foi Sõjobõ quem a tengu atacou. 

       Além das Montanhas Nebulosas, o príncipe sabia que seu pai era respeitado, mas não amado, por alguns, admirado. Ninguém usaria o termo amado. Elawan vai querer esse prêmio, capturar quem derrubou mesmo o lendário rei, era sua melhor cartada. Deixou de lado sua insegurança quanto a Delilah. Ela viria, não tinha escolha, afinal, independente das circunstâncias, era um príncipe.

Entre Damas e EspadasWhere stories live. Discover now