Capítulo 4 Limiar da Morte

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     O som oco de melancolia cantada ecoava nos ouvidos de Nidaly pela terceira vez.

     A sensação que causava era estranha, fria e desconfortável, mas familiar, de certo modo. Era antigo, não tinha dúvidas disso. Antigo e mortal.

    Eirmi pela primeira vez cedeu sua ira ao que a fugitiva pode supor ser medo. De vermelha sua pele ficara pálida. O ouviu sussurrar:

– Príncipe do Carvalho? – Mais para si do que para os demais.

    Mas não o era.

– Sou valente – disse Nidaly baixinho. – O medo não me controla.

     Se fosse ele a despertar novamente, eu já estaria com terra sendo enfiada pela boca. Ainda assim o som de madeira estalada a fez romper a posição de combate, segurando aço e madeira com força o suficiente para os nós de seus dedos ficarem brancos. Não conseguia respirar. Da última vez, décadas antes, foi preciso o rei tengu para subjugá-lo, mas Sõjobõ está morto e só um grande poder e mal pode derrotar outro.

      Quando alguém murmurou o que acreditava ser o nome da criatura foi que compreendeu com um rompante de terror, uma fada da morte! Nidaly não se atreveu a desviar seu olhar perscrutador das árvores, esperando. Mas nada veio além de uma corrente de ar gélida do oeste trazendo o odor de pântano e maresia, sangue e cadáver, tão leves que a tengu concluiu ser parte da sua imaginação. Três gritos então. O silêncio era o bastante para ouvir um trovão quilômetros ao leste, e confundir seu batimento com ele. Três dias, pensou, a Dama da Morte levará alguém aqui em três dias, ou seriam três deles? Não era suficiente conhecedora das lendas para saber.

      As folhas dançaram na brisa gélida.

     Nidaly recuou. A lança estava em posição.

     O medo já me fez parar, mas nunca me impediu de ir adiante... O que estou dizendo? Que Nínive me proteja.

      Não fora os gritos que deixaram os pelos de sua nuca eriçados, era aquela sensação opressiva de poder, magia ancestral. Embora relutasse em admitir a palavra "medo", seu estômago ficou gelado por mais alguns instantes, foi quando o chão desapareceu sob seus pés. Caiu sentindo o ar sussurrar em seus ouvidos e as folhas se partirem sob seu peso, desajeitada ao encontrar a terra. Ouvia o som estalado de beijos em sua cabeça. Maldita seja eu, Nidaly não estava surpresa depois do óbvio acontecer. Aproveitando a quebra de sua base, o ruivo com olhar de serpente se mostrou de fato traiçoeiro, lhe dando uma rasteira com um sorriso afrontoso na cara parda. Ela se espatifou no chão como um ovo quebrando.

       Estendida sobre o solo arenoso, sua boca tinha o gosto poeira salgada e folhas mortas, quase beijando a terra. Os sons da mata nunca pareceram tão gritantes. Ouvia os arbustos se agitando para a brisa espectral e as copas altas balançavam lentamente nos tons do vento, o céu estava límpido acima delas, mas chuva caia no leste, o regato negro corria pútrido do outro lado da estrada e os animais nos quais os forasteiros vinham montados estavam inquietos, enquanto eles trocavam segredos que Nidaly não era capaz de dar contexto. Ademais, o Limiar da Morte era um poço de silêncio banhado pelo sol; sombrio em seu interior não domado.

– O que vai dizer pra morte agora, praga alada? – O sorriso triunfante do ruivo lhe rendeu pregas no rosto.

     Zonza, Nidaly achava ter batido a cabeça, de todo modo não soltou a arma para verificar se havia sangue, embora temesse a resposta.

     Alguns dias antes, tinha visto um inseto qualquer voando próximo a uma vela. Nidaly lembrava da meia luz que regava o aposento, se quebrando nas ondulações do lago artificial e o som da cascata que sobre ele se derramava; da voz arrastada que alcançava seus ouvidos. O que foi feito daquele inseto? Consumido pela vela, lembrou, ele voou em direção à luz e ardeu. Nidaly se sentia como ele, inutilmente perseguindo uma chama. Seu temor, contudo, era não chegar a tempo e esta, já estar apagada.

Entre Damas e EspadasWhere stories live. Discover now