Capítulo 1: Lance perigoso

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        Sol lançava uma mortalha pálida naquela manhã.

        Do pó às cinzas...?

      Sorel não conseguia esconder seu desconforto, mesmo depois do caso encerrado. Esse foi único pensamento de Kervan que conseguiu extrair, quando sua boca foi brindada pelo tinto do sangue e o homem com o grisalho destacando no escuro quebradiço, nada disse. Sua mente, era uma cortina de flores e sangue que nem mesmo uma branah podia transpor e isso a inquietava ainda mais.

      Sorel não se recordava da vez que Elawan a dispensara de um interrogatório. Aquilo a fez cravar as unhas com força nas saias de renda verde, nem se deu conta que já beirava sua carne. Afundando no parapeito de sua janela circular, seu olhar se perdeu na visão da cidade de pedras. Liffey, um conjunto regular de moradas que não passavam de dois andares, com telhados coloridos e levemente arqueados, os tijolos brancos das ruas foram polidos pela chuva da madrugada e as brumas pálidas ainda cobriam o rio Negro nas primeiras horas da alvorada. Fora ela a desenhar a cidade no modelo de um fractal, com as águas sombrias serpentando incontidas o local, numa movimentação que logo estaria caótica.

      Um estalar de língua a tirou da visão da cidade com seus barcos deslizando no rio profundo, e de seus pensamentos igualmente nebulosos.

– Se quiser, posso matar ele pra você.

       Gal'win parecia despreocupado como sempre, recostado na parede oposta. Quando chegou ali, Sorel não saberia dizer. Gal'win era mais sorrateiro que muitos feéricos e não havia humano que se comparasse. Seu rosto jovial trazia um sorriso travesso.

– E quem você mataria? – A pergunta saiu mais áspera do que esperava, mas não o impediu de arquear os lábios, seus grandes olhos negros brilhando em desafio.

–  Por você?! Não importa.

     O vento agitou a renda do vestido, Sorel o apertou nos dedos e lançou seu olhar para além do rio, escondendo o próprio sorriso com seu volumoso cabelo. Neblina cobria as montanhas na linha de sua visão se confundindo com o céu. As Montanhas Nebulosas fazendo jus ao nome, além do território de Elawan e de qualquer feérico.

– Kervan é humano, como não poderia entrar na mente dele? – perguntou mais para si do que para o rapaz atrás dela.

    Pó às cinzas...

     Massageando as têmporas um oco voltou a corroer suas vísceras, um desconforto que lhe subia a espinha e gritava um instinto que não podia explicar.

– Não acabou!

Gal'win não compreendeu suas palavras

–  É claro que acabou, ele foi preso, mas fugiu e daqui a três dias vai estar bem longe. – Certo orgulho pairou em suas palavras – Eu mesmo vou fazer isso.

     Se afundando ainda mais no parapeito da janela, Sorel bufou. Seu rosto claro oscilou entre o pálido e o vermelho, Gal'win xingou em pensamento ao concluir que duvidava dele.

– Gal'win Riverdeep, isso não foi a educação que lhe dei – censurou Sorel, apenas para que ele falasse um xingamento em alto e bom som.

      O rapaz deslizou mais para o interior do nicho onde estava a feérica, se recostando perigosamente ao seu lado. Arqueando a sobrancelha ele indicou o chão dois andares abaixo, silenciosamente ela o desafiou a fazê-lo. Quebro suas pernas, prometeu ela em pensamento. Gal'win era humano, verdade, mas jovem e em forma, muito diferente do garoto que Sorel encontrou anos antes. Uma década? Um pouco mais.

      Ele com pouca delicadeza jogou as pernas dela para o lado e achou lugar para si.

–  Acho que uma queda vai resolver. Elawan não quer sofrimento no abate.

Entre Damas e EspadasWhere stories live. Discover now