Capítulo 20: Limiar do Outono

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      Sua carne estava agarrada e torcida em muitas voltas no galho de cipreste. Não havia nenhuma gentileza entre eles.

    — Não vai tirá-lo? — questionou em sonho. Não ela, de fato. Suave como uma bruma, revelando tanto quanto as sombras da floresta, sua irmã provocou: — Machucando?

    — Não consigo — arfou.

      A sombra de nojo contornou o rosto da irmã.

    — Para conseguir, não precisa tentar?!

— Dói muito tirar — implorou Nidaly. Mas no sonho, a expressão da irmã não mudou.

        Delilah faria exatamente isso: Ficaria olhando até que o julgamento doesse mais que qualquer ferimento. A guerreira riu amarga. No limiar dos sonhos, seu corpo se movia meio sonâmbulo. Desenrolou de sua própria carne, preto e vermelha, o pedaço de cipreste. Sombras na floresta também dão contorno à luz, e quando a irmã se levantou, Nid percebeu o oco de seus monstros. Mas não era Delilah... ela não teve tempo de aprender a assombrar seus sonhos. O que te-la ali só piorava tudo.

       O passado são águas que não se pode beber.

        Por que me afogo nelas?

       Despertou empalada de dor. Acima de sua cabeça, nuvens rotas iluminadas pela minguante ondulavam no céu. Ele vive, se permitiu sofrer com isso. Esticou os dedos para tocar a água, quebrando a fina crosta de geada que a noite deixara. Próximo do horizonte, o amanhecer era roxo e rosa, como seus hematomas. Apertou as pálpebras até todo o rosto se torcer numa careta sofrida. Mas fingir que não havia dor, não estava ajudando. O tronco da asa de contraiu quando aplicou o emplasto no ferimento, e não havia menta que aliviasse a queimação que corria pela asa com o tendão exposto. A madeira lenhosa havia deixado farpas onde não podia alcançar.

       Um pouco mais acima e teria rompido o tendão. Se ... A maldita hipnose era a pior tortura que podia conjurar. Vou ficar aqui... Presa ao chão... Lágrimas queimaram seus olhos. De nada adiantava. Não entendia porque se apegava tanto a inutilidades.

          Talvez fosse ela própria uma inútil.

         Águas negras roeram seus ossos, mas a lama aplacou a dor em sua mão, debruada de marcas de dentes. Mesmo coberta de argila e menta, o pus se assentara em sua ferida e tirá-lo era, na melhor das hipóteses, nojento.

         Depois que o grande cão a mordeu, na manhã após a explosão, ambos pareceram assinar a paz. Em parte, Nidaly suspeitava, porque o animal estava certo que ela morreria. Mas apostou que ele ficou grato por estar errado quando, três dias depois, o wyvern rosado os encontrou.

     Nidaly não podia esquecer de como havia sido, a noite conturbada, o som das criaturas, o bater das asas do wyrvern quando desceu os céus...

        A matilha desfalcada, esperava a recuperação do ferido. A tengu acreditou que esta lealdade não estava a toda prova quando a caçadora alada apareceu com um grupo de guardas em seus calcanhares, e metade dos cães reunidos ali desapareceu.

         A comandante alada, Lady Inari, estava inclinada a matar os remanescentes, se os supostos covardes fugitivos não tivessem saltado sobre ela das sombras, arrancando-a da sela e atirando seus comandados ao chão.

           A loira rugiu:

     — Vermes, vão morrer se me atrapalharem — Ela falava com os guardas. — Quando for senhora de Liffey, não admitirei idiotas pegarem em lanças. Levantem agora. Matem todos — ordenou a amazona com voz árida. — Meu irmão vai querer a pele dele.

Entre Damas e EspadasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora