Capítulo 3: Corvos das montanhas

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        O lorde feérico respirou fundo e deu um sorriso amarelo se decidindo sobre a resposta que daria a Carter, se é que ela teria alguma.

       Não sabemos, pensou Sorel, ele só está procurando uma desculpa para sair de casa.

      Conforme o sol se erguia, a neblina se adensava no Limiar da Morte. Carter discutia como abater um tengu; Lohkar argumentava que eram criaturas muito orgulhosas e não gostavam de meias palavras, ainda segundo ele, sua lança podia derrotar qualquer ave de rapina humanoide.

– Sem as asas, tengus são praticamente humanos – argumentou o capitão. Seu queixo quadrado se contraiu confiante. – Kara me disse certa vez que só precisamos acertar as asas.

– E se passar voando alto? – indagou Carter

      Eu atiro nele e acabo com essa pantomima, Sorel considerou dizer, lançando um olhar de soslaio orgulhoso sobre seu arco preso à sela.

       Após Lohkar entender que não tinha intenção de responder, ele emendou o que podia ser uma piada, mas Sorel dela não riu, muito embora os outros estivessem as gargalhadas; notou Elawan cravando os olhos em sua direção num convite a uma conversa particular. Ele deixou que Sorel se esgueirasse em seus pensamentos.

      Estamos quase no Limiar, não podemos invadir território tengu.

       O argumento de Elawan era bem verdade. Sorel já havia considerado que o regicida havia fracassado também em sua fuga. O Limiar da Morte era assim chamado em decorrência que cada humano ou feérico que cruzasse a fronteira rumo às Montanhas Nebulosas era sumariamente abatido, o número de patrulhas na região garantia o feito. Acrescentando a isso uma paisagem composta pelo encontro dos pântanos com a vegetação das montanhas de sílex, não era lá muito convidativo.

      Sorel não era supersticiosa, mas até mesmo ela ficara receosa nos primeiros anos em que se mudaram para a beira do rio Negro, e Liffey era pouco mais que um banco de areia onde as águas se dividiam em delta no encontro com o rio Bruma. Nessa época os moradores da região alegaram que rio acima, onde os túmulos do povo ancestral se erguiam em colinas de pedra que Nínive inundara num grande pântano, espíritos feéricos vagavam lamentosos. Agora que estavam quase no limite do território de Awen não vira nenhum espírito, fogo-fátuo ou voz sussurrante, mas não se atreveria a cruzar a fronteira de suas terras; coisas piores se escondiam além delas.

       A terra batida da estrada deixava para trás seu tom pardo, para assumir uma leve coloração acinzentada conforme sua direção se elevava, quando as cadelas tatearam o ar e trocaram olhares com seu mestre.

     Todos ficaram tensos.

      Sorel viu Lohkar se posicionar com sua lança a frente de Elawan que já colocara o tordilho a galope. A vegetação se adensava na encosta de sílex vestida de choupos, bordos e álamos, quando Urtiga finalmente alcançou Elawan. Ainda montado, o Senhor de Liffey ergueu o punho, sinalizando parada para o resto do grupo.

      A névoa serpenteava em meio às folhas em tom de cobre, nos limites do território feérico. A estrada ladeada por um regato de águas negras era engolida pelas sombras da vegetação. A respiração dos cavalos estava pesada, inquietos, mas as cadelas tateavam o ar buscando reaver a presa; algo as deixava confusa. O aroma de bordo era forte e a floresta em volta sussurrava.

– Vamos voltar? – falou Carter sem deixar o medo transparecer. Sorel abafou o sorriso, mas foi Lohkar quem aproximou a montaria da humana.

– Não estamos sozinhos – murmurou o capitão.

     Sorel posicionou a aljava de flechas, mas a voz de Elawan se ergueu.

– Quando se recebe visitas, uma recepção é bem-vinda!

Entre Damas e EspadasUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum