Cap. 13 - O Animal que me tornei

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Benício Speltri

Era preciso manter a calma. Definiu o ritmo da respiração e mesmo com o outro o encarando com uma expressão odiosa, Benício tentava se concentrar nos compostos químicos da medicação que havia tomado no hospital. Algum deles, ou sua combinação poderia ter causado as alucinações.

Já estava cansado de ver Diego e qualquer sintoma que relatasse a qualquer médico, por suas perfeitas condições físicas e falta de transtornos mentais no seu histórico médico, seria encarado como estratégia para sair da prisão.

Tentava ignorar o outro, mas aguentar a crítica de Diego era bastante desafiador. Não conseguia dormir e quando dormia, ele continuava lá, só que ainda pior.

Seu breve cochilo dentro do camburão foi interrompido por uma freada brusca. Seus olhos deram de cara com Diego apoiado no outro preso que estava sendo movido para o centro de detenção junto com ele. O rapaz era negro, bonito, afeminado e como ele próprio, estava aterrorizado.

O rapaz desceu primeiro.

Como remoção de suas identidades, rasparam-lhes a cabeça e lhes deram números. Diego observava os dois com uma expressão divertida.

Criaturas de sorte. - disse ele cruzando os braços conferindo o trabalho dos detentos que raspavam suas cabeças. - Antes que ousassem fazer isso com os meus cabelos, suas mãos já estariam em outro estado.

Benício apenas respirava fundo. Estava exausto. Era mentalmente cansativo ignorar Diego. Pouco tempo depois descobriu que o rapaz que havia chegado junto com ele chamava-se Wallace. Estranhamente, Diego parecia gostar de Wallace. Enquanto o rapaz estivesse por perto, Diego pararia de encher o saco, concluiu.

Infelizmente, Wallace e Benício foram levados para celas diferentes, assim como lhes foram atribuídas funções diferentes. O primeiro foi designado a cozinha e o segundo para a limpeza.

Com uma semana, era visível a mudança em Benício. Olhos fundos, magro e aspecto atormentado, desligado. Ninguém o aguentava mais. Durante o dia ele se atrapalhava em suas funções e durante a noite, acordava a todos os companheiros de cela com sua sequência sustos e grunhidos provenientes de seus pesadelos.

Wallace, surpreendentemente, se adaptou mais rápido. Era excelente em tudo o que se propunha a fazer e logo, todos que trabalhavam no refeitório o queriam por perto.

Diego continuava se manifestando para Benício vinte e quatro horas por dia. Estava sempre observando o que os outros faziam. Tinha passado a falar um pouco menos, mas toda vez que abria a boca, certamente viria uma sugestão mortífera, uma crítica ou um comentário maldoso. Chegou a um ponto que Benício não conseguia mais ignorar.

Não que quisesse acreditar em fantasmas, mas já não tinha medicamento nenhum correndo em suas veias e só o sobrenatural poderia explicar essas visões ou... a privação de sono.

Preferiu arriscar na privação de sono.

Todos sabiam que havia algo de errado com ele.

Você é péssimo ator. - disse Diego, bastante relaxado encostado no muro, fumando um cigarro como se estivesse nascido para estar ali.

Benício estava trêmulo. Tinha recebido um recado de que se incomodasse os outros detentos durante a madrugada, seria moído na pancada.

— O que eu posso fazer se você não desaparece nunca? - respondeu a Diego.

Quer dizer que a pobre vítima da sociedade decidiu parar de me ignorar? - gracejou enquanto ficava frente a frente com Benício o fitando de forma intimidadora - Já estava começando a pensar que você era surdo.

Terra Proibida - EssênciaWhere stories live. Discover now