Cap. 17 - A casa

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Henri Speltri

Quarenta minutos debaixo do sol das quinze horas no meio de uma estrada deserta, sem lenço e nem documentos, são plenamente capazes de tirar qualquer ser humano do sério, e quando já não se é um humano muito normal, então...

Primeiro pensou que a dupla estava de sacanagem. Andou de um lado a outro na rodovia, indignado, proferiu dezenas de profanidades em ordem alfabética, que ele mesmo, jamais tinha pensado antes, chutou algumas pedras, fez esculturas nos cabelos que começavam a ficar oleosos por conta do suor, socou o ar e nada. Elas não voltaram.

Eu devia ter vindo só!

E num é que essas vagabundas me deixaram pra traz mesmo?

Vai ter volta. Ah se vai!

Sua mente funcionava na velocidade de luz tentando encontrar uma saída.

Impressionante que nenhum carro ou caminhão passa quando preciso.

Nada nunca está tão ruim que não possa piorar, já diziam os Melhores do Mundo.

Puta que me PARIU!

Ah meu pai eterno!!!!

Todo castigo pra corno é pouco. Caralho!

Num tinha um lugar mais perto pro Benício fugir não? Tipo Pirenópolis...

Chapada... Eh.. - lembrou da festa gratiluz. - sei lá!

Se refugiou debaixo de uma árvore solitária que não fazia muita sombra, ascendeu seu penúltimo cigarro e mesmo estando longe de morrer, começou a imaginar o filme da própria vida.

Órfão de mãe aos três anos, abandonado pelo pai aos quatro, adotado por Raul e Madá ainda aos cinco, ganhou um irmão mais velho e com isso, virou cobaia dos mais diversos experimentos com insetos, pedras e traquinagens diversas, que sinalizavam que não era bem vindo como mais novo.

Lembrou do baque que sofreu com a morte da mamãe Madá e o primeiro abraço sincero que recebeu do irmão. O pai grudento que, acima de tudo, era seu porto seguro, pois Raul nunca faltou a um jogo, apresentação ou luta, e torcia loucamente — pra não dizer que torcia de forma constrangedora — até quando ele estava perdendo.

Recordou a felicidade que foi começar a namorar a menina de seus sonhos, Júlia. Quando Benício assumiu seu lado em uma briga e o ajudou a moer os moleques que faziam bullying com ele na pancada. O tombo que foi o fora público que levou, quando pediu Júlia em casamento. O quanto o irmão, mesmo sendo um chato, não saia de perto dele quando precisou e o tanto que se ajudavam. Quando passou para oficial da aeronáutica. Quando largou a carreira. Quando encontrou o maldito pai "biológico".

Quando decidiu que seria advogado.

Mas uma coisa era certa, mesmo que implicasse com Benício o tempo todo, sempre adorou tê-lo como irmão mais velho. Queria fazer tudo o que ele fazia. Queria ser tão popular quanto ele, forte e inteligente igual a ele.

— Toma. — disse Benício entregando a ele uma caixa com um aeromodelo montável, como quem não desse a mínima. — Eu sei que você gosta. Idiota.

Isso foi quando tinha dez anos. Foi uma surpresa e tanta, pois nunca tinha contado pra ninguém o quanto gostava de aviões.

— Se você pilotar igual dirige, olha... tenho dó da tripulação. — Disse o chato do irmão quando viu o seu nome no Diário Oficial como cadete.

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