|PRÓLOGO 00|

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Não consigo respirar

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Não consigo respirar.

Ou fazer qualquer outra coisa que não seja chorar compulsivamente e me dobrar sobre o vaso sanitário para despejar tudo o que há em meu estômago. Porque, apesar de tentar me convencer de que estou em casa, segura de tudo e de todos, minha mente não consegue parar de repassar o que aconteceu naquele lugar. E é como se eu ainda pudesse sentir o peso do seu corpo me mantendo imobilizada, suas mãos nojentas e grosseiras tentando puxar meu vestido para fora dos meus ombros, e seu hálito repugnante próximo ao meu rosto; aos meus lábios. Furiosa comigo mesma, puxo a maldita peça vermelha pela cabeça e arremesso-a na outra extremidade do pequeno cômodo, sentindo nojo por ter aceitado vesti-la em primeiro lugar.

Acabou. Acabou. Acabou.

Repito desesperadamente em silêncio.

Mas não é o suficiente...

Sua voz continua ecoando no fundo da minha mente, chamando-me de todos os nomes horríveis que ele pôde encontrar em seu cérebro distorcido enquanto tentava arrancar de mim a única coisa que ainda me pertencia: a esperança.

Sua piranha de merda, o monstro rosnou recuando quando consegui morder seu ombro, o gosto metálico de sangue se espalhando em minha língua. Só estou querendo um pouco do que você estava prestes a dar para aquele idiota. E acredite, eu vou ter.

Novos espasmos assumem meu corpo e volto a me dobrar sobre o vaso violentamente, segurando meu cabelo um segundo antes de sujá-lo. As ânsias se estendem por um tempo e meu corpo inteiro reclama do esforço de dar algo que já não mais possui, fazendo-me despejar nada além de uma substância branca e altamente corrosiva. Por um momento, tudo o que consigo sentir é a dor em meu estômago, fragilizando meus sentidos. O cômodo escurece diante dos meus olhos e o desejo de morrer nunca pareceu tão tentador. Mas alguém, de repente, está batendo na porta do banheiro, sua voz não passando de uma bagunça de sons inaudíveis para mim. Ainda que não consiga silenciar os sons grotescos que saem da minha garganta enquanto vomito, fico inquieta com a necessidade de dizer, para quem quer que seja, que estou bem. Que vou ficar bem. Porque uma pequena parte do meu coração partido quer acreditar que a pessoa gritando do outro lado é ele. Quero e preciso acreditar que o rapaz não havia feito o que fez. E que ele voltou aqui justamente para cumprir sua promessa de me proteger de qualquer um que ousasse me machucar. Mas não pode ser... mesmo que ele tenha aparecido e arrancado aquele monstro de cima de mim antes que fosse tarde demais. Mesmo que ele tivesse me segurado apertado em seus braços enquanto sussurrava fervorosos pedidos de desculpas por ter me deixado sozinha naquele lugar. Mesmo que ele tivesse me oferecido sua camisa para esconder o estrago que estavam as minhas roupas. Porque, quando o meu agressor o acusou de fazer parte de tudo aquilo, ele não negou. Não, ele não fez... ele não podia. O garoto a quem confiei minha vida havia me traído da forma mais perversa possível. Ele, unicamente ele, foi o responsável por tirar de mim aquilo que o seu amiguinho tinha se esforçado tanto para conseguir.

Trêmula e ofegante, volto a me escorar contra a parede depois que os espasmos finalmente cessam. Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos, tentando organizar minha respiração irregular e meus pensamentos frenéticos. É quando percebo que os sons que vinham de fora do banheiro não existem mais, e, questiono se minha vulnerabilidade emocional não projetou tudo. Provavelmente, sim. Minha mãe e meu pai não deveriam estar em casa essa noite. Estou fodidamente sozinha. Tal pensamento cria novas lágrimas em meus olhos e uma nova dor em meu peito. Então, abraço minhas pernas e choro. Porque ninguém estava vindo. Ninguém faria a dor ir embora...

Seminua, suja de vomito e completamente desgastada é a forma como minha mãe me encontra algumas horas depois. Seus olhos castanhos correm ansiosos pelo banheiro e quando eles finalmente olham para baixo e me encontram, sei que nenhuma mãe deveria ter que presenciar algo assim. Em um primeiro momento, suas mãos vão até a boca e ela recua um passo. Sinto seus olhos vasculhando os hematomas espalhados pelo meu corpo, sinto o horror que isso causa.

A vergonha e a culpa me consomem.

Isso tudo aconteceu apenas porque confiei na pessoa errada, afinal.

A emoção finalmente passa a rolar livremente pelo seu rosto pálido quando a mulher começa a se mover em minha direção como se estivesse tentando lidar com um animal ferido. Eu me sinto como um, na verdade. Uma parte minha não quer que ela se aproxime, ser tocada nesse momento parece doloroso. Também não quero ter que explicar como acabei dessa maneira; a verdade vai machucar a nós duas. Ainda assim, minha necessidade de abrigo e proteção maternal não me deixam recuar quando a mesma se ajoelha ao meu lado, e, com ternura, afasta os fios de cabelo grudado em minhas bochechas.

Mamãe me abraça.

Meus soluços se tornam mais altos.

― O que fizeram com você, meu amor? ― ela sussurra ainda agarrada a mim.

― Eles... eles finalmente me quebraram. ― É tudo o que consigo responder.

◇◇◇

As postagens vão começar oficialmente em alguns meses.

Beijos.

When We FallWhere stories live. Discover now