Depois da descoberta

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Saber que Nicolas estava com câncer foi o baque mais doloroso de toda a minha vida. Não sei quem ficou pior: eu ou dona Marta (mãe dele). Logo após a descoberta, meu melhor amigo começou uma intensa sessão de tratamentos e isso mudou completamente a nossa rotina. Não havia mais tardes na sorveteria, corridas ou passeios no shopping. Tudo era novo, delicado, inseguro. Por meses observei meu amigo se distanciar das pessoas que amava e abdicar de sonhos futuros, como se junto com a doença, tinha chego a desesperança de uma futura melhora. 

Num passe de mágica, a casa dele ficou repleta de remédios e bulas médicas. Nosso tempo juntos reduziu drasticamente: Nicolas desenvolveu depressão e não tinha disposição para nenhum tipo de conversa. Eu tentei compreender, respeitar seu espaço e até procurar mais amizades. Porém, como me divertir se meu melhor amigo estava mofando em casa? Não, não tinha como. 

Ajeitei minha mochila nos ombros, já me preparando para a carranca dele. Voltar da escola sozinha era um saco! O caminho que antes rendia tantas conversas animadas agora era silencioso e mórbido, principalmente por que ninguém que eu conhecia fazia o mesmo trajeto que o meu além de Nicolas. Por isso, sempre corria para a sua casa. Dona Marta sorriu para mim e cumprimentou:

- Boa tarde querida, vejo que hoje saiu mais tarde da escola, aconteceu alguma coisa?

- Boa tarde tia - entrei depressa - Não aconteceu nada demais, só uma reunião de última hora com os líderes de sala. Como o Nicolas está?

- Mesma coisa de sempre - vi seu sorriso vacilar por um momento - Ele está no quarto, não quis ir para o jardim hoje. 

Assenti sem saber o que acrescentar. Meu melhor amigo insistia em ficar no quarto, e havia dias que era quase impossível tirar ele daquele cômodo. Corri escada acima, ansiosa para contar  sobre as novidades. Não me incomodei em bater na porta, logo fui entrando no quarto. Meu melhor amigo me lançou um longo olhar e reclamou:

- Da próxima vez trancarei a porta.

- Aí você vai ter que levantar para abrir - rebati e joguei a mochila nele - Boa tarde também, estou ótima, obrigado por perguntar. 

- Ou posso fingir que estou dormindo para você ir embora e não me incomodar mais - Nicolas sorriu de forma provocativa e ignorou minha ironia. 

Ignorei seu comentário ácido, sabia muito bem o que ele queria com isso e hoje não daria esse gostinho de vitória ao seu mal humor. Tirei meu tênis e me sentei ao seu lado, estralando meus dedos dos pés e aproveitando a sensação maravilhosa de estar descalça. Só enfim dei atenção ao jovem emburrado que estava ao meu lado. Meu amigo fechou os olhos por alguns instantes e começou:

- Alícia...

- Nicolas - eu o interrompi - Está tudo bem, eu entendo.

Depois de tanto tempo juntos enfrentando essa confusão, eu entendia o que seu humor escondia. Sem falar mais nada, meu amigo deitou a cabeça em meu colo. Eu sabia que hoje ele tinha ido ao hospital, sabia que trazia notícias e que muito provavelmente iria modificar ainda mais nossas vidas. Fiz carinho em sua cabeça e sussurrei meio hesitante:

- Diga somente que está tendo uma melhora e...

- O câncer está crescendo - seu olhar ficou desfocado por um instante - Não entendi bem tudo o que meu médico falou, só que não tem mais cura... Só um tratamento como forma de adiar minha morte.

- E você não quer fazer esse tratamento - constatei enquanto observava o contraste de minha pele negra em sua pele pálida.

- Claro que não - Nicolas suspirou pesadamente - Fazer minha mãe gastar uma fortuna sendo que vou morrer no final? É burrice, ela só vai se afundar em dívidas por minha causa. 

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