Capítulo 36.

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Emma

   Imagine uma cena decadente. Grande parte das pessoas já haviam ido embora, há uma bagunça de copos na mesa e mancha de vinho tinto na toalha branca; o cabelo e o delineador já não estão mais em suas melhores versões. E as duas bêbadas sentadas, em uma mesa esquecida no canto do salão, pareciam contribuir significativamente para a derrocada do momento.

   Depois que sai correndo como uma criança apavorada, Jessyca apareceu com uma garrafa lacrada, fazendo-me crer que a melhor opção seria afogar em líquido destilado aquela fome, aquela tentação, aquela vontade, aquele sofrimento. Fiquei mal. Bem mal. E você poderia falar que a culpa era da tequila, mas não era não.

   A culpa era de Benjamin. Inteiramente de Benjamin e dos lábios mais macios que eu já provara nessa vida; de Benjamin e sua voz aveludada cantando no meu ouvido como se eu fosse a única mulher desse mundo; de Benjamin e a porcaria de sua energia que me fazia desejar dolorosamente todas as coisas que eu não deveria nem sequer cogitar. 

   — Vamos embora. — Sua voz estourou rouca e rígida do outro lado da mesa, trazendo-me com brutalidade para a realidade. 

   Subi o olhar vagarosamente, como se pudesse retardar a injeção de adrenalina que seria olhar para ele. Apoiou as mãos no encosto da cadeira, e eu senti vontade de chorar ao constatar que as mangas da camisa estavam emboladas para cima, deixando a tatuagem de um braço e as veias proeminentes do outro à mostra. 

   Com o perdão do linguajar, mas puta merda. Deus poderia ter facilitado a minha vida e tê-lo feito um pouquinho menos atraente. Poderia, ao menos, não ter feito com que ele ficasse tão gostoso quando deveria parecer apenas desalinhado. 

   Deus costuma ouvir preces e reclamações de bêbadas? Deus costuma ouvir preces e reclamações de bêbadas? Ou de mulheres completamente loucas que cogitam beijar a boca de ex marido traidor? 

   — Me obrigue.  — Retruquei infantil, desesperada por confrontá-lo da única maneira que eu era capaz no momento.

   Jessyca soltou um risinho cúmplice. Ele enrugou a sobrancelha minimamente e me analisou por um breve instante. Oh sim, querido, eu estou com todos os meus escudos armados. Fique bem longe de mim. 

   — A festa acabou. As duas já beberam o suficiente por hoje.  — Voltou seu olhar para Jessa, julgando-a com aquele ar de prepotência irritante. 

   A menção de ter que parar de beber, fez com que ela abraçasse a garrafa de tequila, que estava quase vazia. Aninhou-a de tal forma em seu peito como se fosse um bebê recém-nascido necessitado de cuidados. A ideia absurda de que ela teria parido uma garrafa de vidro fez com que eu soltasse uma risada estranha e descontextualizada. 

   — Ainda não acabei aqui, papai. — Jessa zombou, também soltando uma risada escandalosa.
   Ele respirou fundo, talvez buscando em si algum pingo de paciência para lidar conosco. 

   — Não estou negociando com vocês. — Falou firme. — Estamos indo embora. Agora. 

   Hum, ele estava irritado? Que ironia, quem tinha motivos para estar irritada era eu. Mil vezes, eu. O idiota havia infernizado a minha noite, havia feito com que eu sentisse vontades completamente inadequadas, fez com que eu fosse obrigada a reprimir todas elas, e ele é que estava irritadinho? Me poupe. 

Divorce [REESCRITA]Where stories live. Discover now