autonomia

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Estou me perguntando se sou um bom ator, tenho certeza de que não sou, mas se minha atuação for ao menos razoável talvez esse profissional treinado e experiente em lidar com esse tipo de situação me dê um passe livre.
Saio da minha quinta conversa com o psicólogo e puxo o cabelo distraído, acho que não está sendo tão ruim, para alguém que claramente não tem controle sobre a própria vida, pelo menos estou fazendo o meu melhor. Estou trabalhando, tentando encontrar um apartamento para dividir com a Drew, estudando e correndo atrás dos trâmites para minha emancipação.
Muita coisa aconteceu para eu chegar nesse ponto, ou talvez nada que não fosse previsível aconteceu. Hades não pode se aproximar de mim graças a uma ordem de restrição, minha mãe foi considerada inapta, e eu resolvi tentar a emancipação ao invés de um abrigo, lar temporário, ou alguma merda dessas.
Um dos meus medos se tornou real, descobriram a instabilidade da minha mãe e agora não podemos ficar juntos, não posso mais cuidar dela, e isso é tudo culpa daquele viciado. Se meus pais pelo menos assinassem e dissessem para o juiz que concordam com a emancipação as coisas seriam mais fáceis, mas por algum motivo idiota eles não querem, mesmo estando óbvio que é a melhor saída, droga! Se pelo menos eu tivesse o apoio da agente Frias ou um adulto responsável, já ajudaria. Mesmo eu seguindo todos os passos o risco de ser negado é grande. A agente diz que dada toda a situação não é um cenário saudável para essa ação, e ela acredita que não tenho condições de me tornar responsável por mim mesmo, ela até acredita que não estou bem psicologicamente por causa da fuga e tal.
Não sei o que caralhos eles esperam de mim, devo ficar quieto e deixar me jogarem de um canto para outro? Acho que deveriam ver tudo que aconteceu como uma prova de que posso cuidar de mim mesmo, afinal tudo ficou bem no fim.
A única pessoa que resolveu me ajudar foi Apolo por incrível que pareça, me contratou para cuidar da chegada dos estoques no hospital de sua família, até tentou ser o adulto responsável que poderia alegar que estou apto para a emancipação,mas infelizmente foi negado por causa da sua relação com minha mãe.
Nunca imaginei que meu ex padrasto e sogro seria a pessoa que mais me ajudaria num momento como esse, bem diferente do seu filho por sinal, que quando falou comigo pela última vez, disse que essa era uma péssima ideia. Babaca!, Ele já fez questão de deixar claro o quanto me acha egoísta, não quero que me diga que também não sei cuidar de mim mesmo.
Passo as mãos no cabelo o ajeitando, tenho que parar com essa mania de o puxar quando fico ansioso, respiro fundo e vou para casa. Ao chegar, a mesma rotina de sempre se repete, minha mãe quer conversar, me convencer de que estou errado, a mesma história de sempre sobre se estabilizar e eles a considerarem apta de novo, sobre eu fazer as pazes com Hades, como se isso fosse possível, e é claro, a cartada final, "você nem tem idade para isso,ainda não fez 16", e essa é a única coisa que me abala de verdade, falta um mês e alguns dias para o meu aniversário, ainda tenho 15 anos e legalmente nem poderia estar tentando a emancipação, mas tenho esperança que por ser um processo demorado e eu estar cumprindo todos os outros requisitos, quando eu fizer aniversário já poderei ter autonomia da minha vida.

## 13 dias depois

Está quase no meu horário de saída do trabalho e estou atualizando uma planilha quando vejo Cronos passar no corredor, instantâneamente fico tenso mas logo trato de me acalmar me convencendo de que não tem motivos para ele vir aqui, volto minha concentração para o computador, quando depois de um tempo ouço a porta bater e o vejo ao lado dela.
- Posso ajudar ? (Pergunto de forma solícita)
Me forço a agir normalmente, como qualquer funcionário que não tem um passado a temer e conhecesse quem está de verdade a sua frente agiria. Ele caminha em minha direção e eu me levanto me afastando disfarçadamente alguns passos. Fico apreensivo, pois já sei mais ou menos o que vai acontecer, desde que ele descobriu que Apolo me contratou e se deu conta de quem eu sou, ele aparece algumas vezes, na primeira foi para dizer que eu não deveria estar aqui e me ameaçar para não dizer nada a ninguém, nas outras ele só passava no corredor para eu saber que ele está de olho, ou talvez seja coincidência já que a empresa é dele, mas em outras, as que me assustam de verdade, ele entra e fecha a porta quando vê que estou sozinho, então se aproxima e age de forma perturbadora, me olhando fixamente e invadindo totalmente meu espaço pessoal. Infelizmente, hoje parece ser um desses dias.
- Tenho que ir conferir a validade do estoque da prateleira C, se puder me dar licença (digo depois de um momento para sair dessa situação)
Ele estica o braço colocando a mão na parede ao meu lado, bloqueando minha saída, parece estudar minuciosamente meu rosto e se aproxima, entro em pânico ao sentir que ele vai me beijar e aperto os olhos, porém os abro ao sentir seus dedos contornando meu rosto.
- Você está com medo? (Ele pergunta curioso)
- Não (digo baixo)
- Então por que está tremendo?
Tento ficar imóvel para mostrar que ele não me intimida, mas é difícil controlar quando suas células parecem estar em repulsa, efervescendo para fugir.
- Não tenha medo de mim, Angelo (ele diz docemente)
Ajeita meu cabelo, que devia estar desarrumado por eu estar puxando e sai calmamente, o vejo passar pela janela e encontrar seu neto no caminho contrário, eles se cumprimentam e cada um segue seu caminho.
E então Will surge na porta, me olha desconfiado e eu nem consigo pensar direito sobre o motivo dele ter vindo aqui já que não estamos nos falando.
- O que Cronos veio fazer aqui? (Ele pergunta por fim)
- Veio ver se as planilhas estão prontas (digo voltando para a mesa)
- Estranho, geralmente lhe enviam por e-mail.
Fico em silêncio e evito o olhar enquanto finjo ainda estar concentrado no trabalho.
- Nico...esta tudo bem? (Ele pergunta cauteloso)
- Sim (digo ainda sem o olhar)
- Você está tremendo (ele observa)
- É o ar, a sala está fria ( digo e saio da sala)

Anjo Caído ( Nico Di Angelo) Where stories live. Discover now