egoísta

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Um livro e o cheiro do mar que o vento traz, tiro meus olhos das páginas e olho para o céu estrelado, talvez eu devesse ser mais precavido, fechar a janela e estacionar em um lugar mais escondido para passar o resto da noite, mas se fosse adepto a autopreservação não seria eu. Poderia entregar o pouco dinheiro que me resta para continuar exatamente assim, aproveitando a brisa marítima e forçando a vista para terminar esse livro que Will me deu, enquanto o céu está amanhecendo.
Respiro fundo sentindo o cheiro da liberdade e decido terminar a leitura outra hora, pego meu celular e penso em o ligar, mas nele há perguntas, exigências e palavras para as quais não tenho resposta ou não as quero dar. Acho que foi um erro o trazer comigo já que pretendo não manter contato com ninguém.
Assim que o céu clareia totalmente ligo o carro e sigo sem rumo, quando o dinheiro acabar me preocupo com meu próximo passo, agora estou aproveitando a liberdade e a solidão que uma fuga traz, talvez um dia eu carregue meu celular e responda algumas coisas, talvez os encontre de novo, mas agora a única certeza que tenho é que eles estão melhor sem mim e eu posso finalmente recomeçar.

## Will

Balanço meu pé impaciente enquanto assisto a agente Frias dizer a Maria que eles continuam investigando o paradeiro do meu namorado. Faz quatro dias desde que o vi pela última vez, desde que ele deixou uma carta e saiu dirigindo sem rumo, nesse tempo diversas hipóteses foram levantadas, entre elas a de que alguém envolvido no esquema de Minos o levou e a carta era para nos despistar, foi aí que envolvemos a agente,mas até agora a única pista que temos é a de uma câmera que o flagrou em velocidade alta em outro estado, e por mais que pareça verdade não posso acreditar que ele simplesmente foi embora, resolveu fugir depois de dizer que me ama, depois dizer o quanto estava feliz por estarem todos na festa, depois que fizemos amor. Talvez seja isso, talvez ele não estivesse pronto e eu o pressionei de alguma forma, depois de tudo que ele passou isso pode o ter afetado ao ponto de querer fugir.
A mão de Hazel aperta meu braço suavemente, não percebi que estava cerrando os punhos, olho em seus olhos avelãs que transmitem apoio e tento relaxar meus músculos tensos. Volto a prestar atenção ao discurso, e a ouço informando a Maria que eles acreditam saber em que direção ele foi de acordo com uma testemunha, que aparentemente ele está sozinho e isso não seja um sequestro, vejo minha sogra expirar aliviada e estudo a expressão da mulher negra de blazer em busca dessa mesma segurança, não sinto o mesmo alívio mas me acalmo ao acreditar que logo o encontraremos.

Dois dias depois

Estou sentado em sua cama esperando ele voltar da delegacia, faz quase três horas desde que Hazel me disse que o trouxeram de volta, ele foi encontrado acampando no carro em uma praia, nesse meio tempo ele foi pego e informaram os responsáveis que devem estar na delegacia ou conselho tutelar nesse momento. Minha vontade era ter ido vê-lo assim que sua irmã me ligou, mas sei que não iria poder entrar e ela me convenceu a o esperar em casa. Corro os olhos pelo seu quarto em busca de algo que não mexi, estudei seu habitat, aprendi que você possui cadernos cheios de desenhos inacabados, mangás que coleciona, bebida e maconha embaixo da cama, roupas metodicamente arrumadas e um espelho quebrado escondido atrás da porta, me pergunto quando você o quebrou, talvez quando estava se escondendo do mundo embaixo de lençóis e ver seu reflexo fosse demais, eu não sei, só posso supor já que você não me conta nada, já que por mais que eu pense que contamos um com o outro, você pode simplesmente ir embora e deixar tudo para trás, seu quarto, sua família, seus amigos, eu.
A maçaneta é girada e minha atenção se prende ali, e quando a porta é aberta, o garoto pálido de cabelos negros que tanto ansiava ver aparece. Corro até ele e o abraço, com euforia, com necessidade, com raiva.
- Você está aqui...droga, seu maldito. Que bom que você está aqui (digo o apertando)
- Will...(ele diz nasalado)
- Seu idiota! (Finalmente o solto e o encaro)
- Seu egoísta de merda! Tem noção do quanto ficamos preocupados? Por que, Nico? Por que você fugiu?
- Desculpa (é tudo que ele responde, olhar seu rosto derrotado machuca)
- Foi minha culpa?
- Não (ele se apressa em dizer) claro que não!
- Por que não me disse o que ia fazer?
- Desculpa...
- Se...se era verdade, se você me ama, então porquê foi embora?
- Eu...eu te amo. Sinto muito, Will.
- Só me diz uma coisa. Você ia voltar? Ia pelo menos responder minhas mensagens?
- Will...desculpa.
- PARA! Para de dizer isso! Eu não quero desculpas. Eu quero que você me conte pelo menos uma vez na vida o que tá acontecendo com você.
Ele me olha assustado, essa é a primeira vez que grito com ele, que brigamos de verdade, apesar de não gostar da sua expressão eu estou com raiva demais para me controlar.
- Me responde! O que caralhos você quer de mim?
Exijo e em resposta só tenho seus grandes olhos castanhos me olhando perdidos e assustados.
- Will...eu. Me desculpa. (Ele se embola nas palavras)
- Você é a poha da pessoa mais egoísta que eu já conheci! (Digo e passo por ele, saindo pela porta que nem chegou a ser fechada)

Assim que estou do outro lado da rua me arrependo do que fiz, do que disse, mas nada foi mentira, e eu não posso voltar agora.

Anjo Caído ( Nico Di Angelo) Where stories live. Discover now