Epílogo

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Perto o suficiente para iniciar uma guerra
Tudo o que eu tenho está no chão
Só Deus sabe o porquê de estarmos lutando
Tudo o que eu digo, você sempre diz mais

Eu não posso continuar com suas reviravoltas
Sob o seu controle, eu não consigo respirar- Turning tables, Adele

Caius (2 anos depois)

Todo meu mudo perdeu a cor desde aquele dia tão bárbaro. Ayla está novamente soterrada dentro da própria mente, e dessa vez não acho que consiga sair.

Zoya foi socorrida e levada embora após o ataque e mordida que deixou seu nariz pendurado na face. Naquele dia matei dois guardas, Ayla matou mais dois antes de ser contida. Os outros só puderam assistir a todo o desastre se desenrolar.

Ayla não perdeu apenas Zoe, perdeu nosso bebezinho recém gerado quando se transformou, e isso partiu mais ainda minha alma. Perder um filho seja ele nascido ou ainda em formação é algo indizível, inexplicável. A dor emocional se torna física e todos permanecemos nessa dor por todo esse tempo. Infelizmente também não sei quanto tempo isso ainda vai durar. Desde o primeiro dia, tudo o que eu pude viver foram breves momentos de paz, no mais eu sempre estive lutando, sempre estive em guerra.

Pensei que ao me resignar e obedecer estaria fazendo o melhor, mas meu destino estava selado a partir do momento que nasci. Tudo foi uma junção de acontecimentos que culminaram em todo aquele mal que foi feito além de qualquer reparação.

Eu pagava, meus companheiros pagaram, Ayla, nossa filha e o bebê pagaram, e agora a única certeza que eu tinha era de que essa guerra sempre fora uma guerra perdida para nós. Fomos os bodes expiatórios, fomos os joguetes, e entramos nessa história pensando que éramos a redenção, quando na verdade sempre fomos os dominados. Nunca tivemos uma chance real.

Depois de toda a tribulação vivida por nossa família, vimos por todos os lados o que esperamos que fosse uma mudança se tornar uma cilada. Algumas coisas realmente mudaram, como a necessidade de tirar as crianças de suas famílias. Isso não aconteceu nunca mais, porém o governo estava muito mais cruel em todos os outros aspectos. Nós todos sofremos destituições de nossos cargos públicos, e agora vivíamos basicamente da produção do nosso terreno, porque nos tornamos páreas da nossa própria nação. 

Falei com Omar, Ichiro e Anton. Ofereci que eles se desvinculassem do nosso clã, nada que fizéssemos era útil em trazer Ayla de volta, e eles mereciam uma família funcional. Mereciam poder não serem taxados de traidores ao saírem na rua por nos apoiar, afinal eles nunca fizeram parte de nada daquilo. Eles não aceitaram, disseram que não quebrariam o vínculo mesmo que a atual situação dela os afete fisicamente também. Lumumba e Lutalo infelizmente sofreram consequências graves. O estatuto previa uma punição severa a quem tirasse a vida de outro indivíduo fosse na província ou nas castas. Lumumba teve uma amputação no braço direito até seu cotovelo, e Lutalo esteve confinado por três longos anos. O Conselho que os julgou só não nos sentenciou também a amputações pois entenderam que a perda de nossas filhas tinha sido castigo suficiente.

Nossa família vivia aos cacos, como mortos vivos amaldiçoados, e eu não tinha esperança de que algo mudasse.

***

8 anos depois

Dias de chuva sempre fizeram Ayla feliz, até hoje esses são os dias que ela mais gosta. No tempo em que vivemos no meio da floresta tropical, e tivemos a oportunidade de experienciar a neve, ela também se mostrava muito grata. Hoje percebo que ela passou a ter um carinho especial pelos dias pós chuvas também. Aqui em Gama, na região que moramos não neva, mas chove com certa frequência, principalmente agora no verão. Todos os dias faz um calor parecido com o da província, e no final do dia a chuva é torrencial. Leonora ficava frustrada por não poder brincar das mesmas coisas quando chovia, e Ayla a ensinou suas brincadeiras de chuva favoritas, mas agora que nossa filha está maior ela já vê as coisas de outra perspectiva. Chego da caçada com Kareem e Jabari e avisto Ayla no jardim com as crianças, lhes mostrando como fica a paisagem depois de uma noite chuvosa. Ela lhes mostra cogumelos que nascem espontâneos entre as flores e vegetação, mostra o líquen e o musgo nas cascas das árvores, a textura da terra, os insetos que se escondem em tocos de madeira... Nossos filhos a observam encantados, com cada nova descoberta que ela faz. Assim que nos vê, ela levanta do chão e incentiva que os pequenos façam suas próprias descobertas.

Sociedade da LuaWhere stories live. Discover now