𝙿𝚛𝚘́𝚕𝚘𝚐𝚘

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Em um mundo muito antes da existência dos humanos além de Adão e Eva, a convivência entre os Deuses era digna, simples e duradoura. Amizades facilmente eram criadas, e apesar dos milênios, dificilmente quebradas. A calmaria e a plenitude resumiam todo aquele convívio, onde sorrir e se permitir as poucas novidades que surgiam era a rotina. Mas tudo começa a ruir após o nascimento daquele que tempos mais tarde ficaria conhecido, principalmente como o Deus das Trevas.

Desde pequeno, Belzebu era excluído, deixado de lado por todos que conhecia. De longe, os ouvindo cochichar coisas realmente dolorosas sobre o seu ser, dizendo sempre que possível que aquele não era o seu lugar. Ele então guardou para si toda a mágoa e a dor que sentia, respeitando o espaço dos outros ao se manter sempre longe, evitando buscar qualquer contato que não fosse essencial.

Uma "criança" amaldiçoada em seu nascimento, assim o jovem Belzebu ficou conhecido por um longo tempo como aquele que carregava a maldição de Satã. A morte o cercava, e por isso ele era temido, isolado e sempre deixado de lado. Fazer amigos não era possível, estava a todo tempo sozinho, cansado de ser menosprezado. Mas infelizmente, sem poder fazer nada para encontrar uma mudança. Aquela era a sua vida, a sua sina desde o dia em que conheceu a beleza daquele mundo. E por mais de uma vez, pensou que seria muito melhor se nunca tivesse nascido. Porém, foi capaz de enxergar a vida com novos olhos quando outros três seres divinos se aproximaram dizendo não se importar com os boatos que o cercavam. E apesar de muito relutar toda aquela aproximação, Belzebu finalmente entendeu que sua existência seria infinitamente melhor se nunca mais estivesse sozinho.

A amizade é um vínculo muito poderoso, algo capaz de mudar todo um enredo na história da vida de alguém. E a mudança oferecida a Belzebu não podia sequer ser calculada, pois o jovem Deus nunca havia sido tão feliz. Seus amigos o entendiam, estavam ao seu lado a todo momento. Mas a escuridão se fez presente demonstrando algo que Belzebu queria acreditar não ser real.

Naquela noite eles decidiram por adormecer debaixo das árvores do jardim mais belo em toda a região, situado no alto da montanha mais visitada naquela parte do mundo. Mas quando estava perto do amanhecer, Belzebu foi o único que acordou, aquele obrigado a viver para sempre com a dor sentida ao enxergar seus amigos sem vida naquele chão, todos os três com um buraco atravessado em seus corações. Foi quando pela primeira vez em toda a sua vida, Belzebu finalmente acreditou em tudo o que sempre diziam sobre ele. Satanás havia o amaldiçoado, e como vingança pelos amigos que se foram, prometeu acabar com a existência de Satã com as próprias mãos.

Uma vez mais isolado de todos, Belzebu se doou unicamente a busca pelo paradeiro de Satanás sem se importar com os novos comentários que vinham surgindo no passar dos dias, dando ouvidos apenas quando lhe disseram que alguém buscava por Lúcifer, o mais alegre dos seus amigos. Então, de frente para quem esperava por informações sobre o anjo do Senhor, Belzebu se permitiu desabar e ser abrigado nos braços de quem parecia o entender. Lilith não era como os demais Deuses, e tudo se tornou claro quando se decidiram por encontrar Satanás juntos.

Encontrar quem não devia ser encontrado parecia uma missão impossível, mas isso não era o suficiente para fazer Belzebu e Lilith desistirem do que queriam. Suas buscas não continham muitos fundamentos, mas ainda sim parecia os levar em algum lugar. Mas infelizmente, aquele estava longe de ser o lugar em que o jovem Deus das Trevas desejava estar.

Assim como o ocorrido com os anjos que não queriam nada mais além de fazer amizades, um vínculo foi se fortalecendo entre Belzebu e Lilith, uma ligação que transcendia o simples sentimento da amizade, mas que possuía um significado muito parecido no fim de tudo. Assim como amava os amigos, Belzebu se viu apaixonado por aquela que tempos mais tarde seria conhecida como um demônio realmente muito perigoso, tão poderosa quanto o próprio Satanás. Porém, da mesma forma que viera a acontecer com seus amigos, Belzebu também viu Lilith perder a vida para um golpe mortal em seu peito. Mas dessa vez tendo o vermelho do sangue banhando suas próprias mãos, essas que apresentavam horripilantes garras afiadas, retornando a sua forma "normal" na mesma proporção em que as lágrimas banhavam os olhos de Belzebu.

Com a mão depositada sobre o peito do Deus que amava, Lilith ignorou todo o sofrimento sentido e esboçou um radiante sorriso em meio ao sangue que se apresentava em sua boca, deixando gravado naquele ponto a mesma marca que circulava seu braço. Então, em suas últimas palavras Lilith pediu para que Belzebu continuasse a viver.

Procuraram por Satanás durante tanto tempo, vagaram por tantas partes do mundo atrás do maior mal já existente, e acabaram por encontrá-lo quando o Deus das Trevas enfim aceitou que estava amando aquela que perdera a vida em seus braços. Tudo o que precisava ter feito desde o início era apenas se olhar no espelho, aceitar que o mal estava presente dentro do seu próprio ser assim como muitos diziam.

Belzebu não havia apenas sido amaldiçoado por Satã, ele era a própria personificação de todo esse mal. Um ser proibido de amar verdadeiramente alguém, pois toda vez que Belzebu se descobrir amando, essa criação estará destinada a ser destruída. Era essa a sua maldição, algo que só foi ser entendido quando o maior dos sofrimentos caiu sobre os seus ombros.

Com a perda de Lilith e todo o saber sobre quem realmente era, foram inúmeras as vezes em que Belzebu tentou tirar a própria vida, criatividade para alcançar o feito era o que não faltava. Mas toda vez em que estava certo de que conseguiria consumar o ato, a marca deixada por Lilith ganhava vida o impedindo de alcançar a paz que tanto desejava. Então, aceitando o último feito da mulher que amava como mais uma maldição em sua miserável existência, Belzebu novamente se isolou do mundo, finalmente abraçando a ideia de que não havia nascido para ser feliz.

Sempre sozinho ao longo dos milênios, assistiu em silêncio a cada nova mudança no mundo que um dia chamou de seu. Viu a humanidade ser criada, quase ser levada à extinção pelo dilúvio mandado como consequência dos seus atos. Viu eles evoluírem, e mesmo assim permanecerem retrógrados. Assistiu de perto a cada uma das guerras travadas, observou a construção de armas capazes de destruírem tudo em poucos minutos. Esteve entre a multidão em cada desastre responsável por arrematar incontáveis números de vítimas, participando da grande maioria como aquele quem escreveu toda obra, sempre esperando pela morte no fim de tudo.

Havia sido levado ao chamado inferno, era proclamado na Terra como o pior de todos os males. Demônio, o culpado por cada ação impensada cometida pela falha criação daquele que podia mais. Satã, o principal rival daquele dito como o filho do criador. Eram muitos os chamados por seu nome, e com o tempo ele passou os atender como tal, aceitou o seu papel em todo aquele maldito enredo. Mas apesar de tudo, não conseguia se esquecer de sua sina, não conseguia deixar para trás todo o sofrimento que lhe foi causado. Os seus lamentos eram apenas seus, mas às vezes se tornava quase impossível os deixar de lado, mesmo sendo um dos seres mais fortes de toda a existência. Mas estava cansado de tudo aquilo, estava farto de apenas manter o inferno em ordem. Não era o ideal, mas queria retornar uma vez mais à Terra. Dessa vez em uma forma física.

De todas as divindades boas e más, Belzebu era o único que desejava mais que tudo encontrar na morte a paz que não encontrava em sua triste e torturante existência. Assim como também, dentre todos era o único que não conseguia simplesmente desistir da vida.

Amaldiçoado a perder todos que amava, Belzebu também era amaldiçoado a viver. Então o faria à sua maneira e, onde achasse ser melhor. Inferno ou Terra, era tudo igual quando o único comando era seu.

Frente ao próprio reflexo, observou a figura mal interpretada pelos humanos e assentiu para si mesmo quando incorporou uma persona capaz de ser aceita como igual naquela planta mal feita do seu mundo. Eles não sabiam o que esperar. Talvez nem o próprio soubesse.

𝗕𝗘𝗟𝗭𝗘𝗕𝗨 • ꪜỉꪜꪖWhere stories live. Discover now