Capítulo 35

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Limpo as lágrimas assim que as mesmas banham o rosto inteiro. Quando lembro do passado, o peito dói como se uma bala tivesse lhe atingido. O sangue pulsa violentamente nos vasos sanguíneos à medida que a respiração começa a ficar ofegante. E se nada estivesse mudado entre nós? Como estaríamos hoje? Iriamos continuar os mesmos?

Poderíamos compartilhar segredos, tomar cerveja juntos, e agora, os meus cabelos estariam sendo penteados pela sua mão, e a minha cabeça se apoiaria no seu peito, sentindo o descer e levantar da sua clavícula, por conta da respiração. Nós iríamos rir enquanto as recordações do passado viessem. Mas estragamos tudo, eu estraguei tudo.

Hoje, estou aqui, lembrando de um garoto que já morreu faz alguns anos, exatamente aos nove ou dez, no Natal mais aterrorizante da história. Então, puxo todo o ar aos pulmões e ligo para Liam. Vai ser legal ocupar a cabeça um pouco e conhecer pessoas novas.

Eu: Oi, Liam? — digo, tentando esconder ao máximo a voz de choro.

Liam: Sim, Emma, pode falar — a sua fala sai sonolenta.

Eu: Eu te acordei? Foi mal... — um pequeno riso é ouvido no fone.

Liam: A sua sorte é que eu gosto de ouvir sua voz — por um instante eu fico sem reação, olho para o teto, para o chão, para a janela, mas minha boca seca e não obtenho resposta. Ele é ligeiro. — Me ligou para falar da banda, certo?

Eu: Sim, quero lhe dizer que topo. — declaro decidida, sem ao menos pensar no medo que sinto.

Liam: Ah, cacete! Então, vamos cantar a nossa música juntos na festa! — a sua felicidade é extrema.

Eu: Sim, nós vamos — confirmo, sorrindo meio sem graça.

Liam: Incrível, Emma. Incrível!

Eu: A sua alegria é contagiante.

Liam: É que o meu amor pela música é extremo. Você sabe como é.

Eu: Lhe vejo amanhã que horas?

Liam: Saímos juntos depois das aulas, pode ser?

Eu: Claro! Agora você pode voltar a dormir — brinco.

Liam: Boa noite, Emma.

Eu: Boa noite.

Conversar com o Liam sempre me traz, de algum modo, uma paz que não sei como explicar. Passaria horas falando sobre músicas com ele.

Permaneço na mesma posição por um bom tempo, deitada e refletindo sobre a vida, e só me agito quando ouço o carro da minha mãe entrando na garagem. Então desço rapidamente, lhe espero na entrada da casa, com a esperança de que trouxesse algo delicioso para comermos.

— Ah! — ela exclama ao me encontrar plantada na escada — Você me assustou — põe sua mão direita sobre o peito enquanto sorri.

— É comida japonesa? — levanto as sobrancelhas enquanto pego nas sacolas, demonstrando muita curiosidade.

— Não — responde, já esperando pelo o meu biquinho de decepção. — Você pode arrumar os pratos? Eu preciso ir ao banheiro antes. — comenta com o cansaço estampado em seu rosto a medida que joga a sua bolsa em cima da mesa.

— Esta bem — balanço a cabeça positivamente.

Admiro o quanto a minha mãe trabalha. Na verdade, não sei o que seria de mim sem ela, pois não sou muito próxima de parentes e muito menos tenho afinidade com o meu pai. Até mesmo por que ele me abandonou como se fosse um objeto qualquer. Desde então, a nossa família passou a ser eu, mamãe, Dylan e seus pais.

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