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Kiara Soulier 

Sou capaz de ouvir os gritos de Kathellyn antes mesmo de entrar.

Ao que parece, ela está brigando com o novo namorado pelo telefone e suspiro pesadamente, preparando o meu psicológico para horas e horas de falatório, tornando impossível pregar meus olhos naquela noite.

Odeio aquele lugar. O aluguel é caro e compartilho um espaço mediano de cinco quartos e dois banheiros com mais seis meninas barulhentas.

Ainda assim, é o mais barato da região. E o único preço que posso realmente pagar com meu salário de garçonete enquanto nenhuma oportunidade melhor aparece.

Quando giro a maçaneta, a barulheira se intensifica. Eu adentro o local com cuidado. Amélia está jogando vídeo game na sala enquanto o restante das meninas estão se aventurando na cozinha.

Procuro Kathellyn ao redor, mas a ruiva é mais rápida, quase como se lesse os meus pensamentos:

— Ela está no segundo andar — informa.

Encaro Amélia com uma expressão perturbada.

— Como ela pode falar tão alto? Estava ouvindo o barulho de fora.

— Deve ser o dom dela. Ser escandalosa — retruca.

Não consigo evitar sorrir com o comentário e me sento ao seu lado.

— Qual o problema da vez? O que o babaca do Mario aprontou?

— Parece que ele transou com uma garota. Quer dizer, ele transou mesmo. Kathellyn nos mostrou as fotos. Foi em uma fraternidade. Rídiculo.

— Porra...

— É — concorda, soltando um gritinho ao atirar em um zumbi. — Eu sei que ela nao vai nos dar ouvidos, mas sinceramente, ela deveria terminar com esse idiota.

Aceno com a cabeça, encarando a escada que dava para o segundo andar.

Queria subir, tomar um banho e dormir, mas parecia impossível cada vez que os gritos se intensificaram.

— Kiki, você quer jantar? — Aurora pergunta da cozinha quando nota que eu cheguei.

Penso em negar, mas meu estômago responde antes de mim. Lógico que o milk-shake ganho forçadamente por Charlie não mataria minha fome como eu pensei que o faria.

— Depende do que vocês estão fazendo.

— Carly fez carne moída. Eu estou cozinhando o macarrão.

— E eu estou tentando manter as duas vivas — Maressa alerta.

Normalmente, comer com elas sempre era algo preocupante. Nenhuma de nós tinha muitos dotes culinários além da Mare, o que tornava fast-food a opção mais segura.

Por isso, quase como um ritual, todas elas se reuniam nos finais de semana, na tentativa de aprender algo com a mais velha que fosse além de fritar um ovo ou um mingau de aveia realmente saboroso.

— Se você está no comando, então sim — sorrio.

— Ei, assim você nos magoa! — Carly diz fingindo tristeza.

Reviro meus olhos, sabendo que ela não realmente está magoada.

— Você voltou tarde hoje — outra voz surge, chamando minha atenção.

Olho para a porta do banheiro, Viviane está saindo enrolada em uma toalha azul. As madeixas curtas molhadas, pingando um pouco pela sala.

De todas, ela é a que menos me dou bem. E talvez seja pela atitude irresponsável, o tipo de pessoa que molda as próprias regras.

Deathless - Jackson WangWhere stories live. Discover now