011. O Verão dos Nove Anos

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"SENTI COMO SE PARTE DE MIM
MORRESSE NAQUELE INSTANTE. MORTE REPENTINA, MAS A DECOMPOSIÇÃO ESTAVA QUASE FINALIZADA."

O verão sempre foi minha estação do ano favorita

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O verão sempre foi minha estação do ano favorita.

A época em que a luz do sol invadia o país com mais intensidade, a época das idas à piscina, a época da praia. A época do rosto livre de maquiagens, dos sorvetes de casquinha, do fliperama tarde da noite.

Meu pai estava com Margot e assumiu isso um ano depois da morte da mamãe.

Mas, era verão. Eu e James tentamos tirar os pensamentos da mamãe — o que estava nos desanimando para viver — e fomos até a casa de praia com o papai, como todos os anos.

No entanto, era com Margot. Não tinha mais a mamãe animando a casa inteira e acordando dançando, pronta para ir para a praia às seis horas da manhã. As geleias de mirtilo nas torradas já não existiam mais, porque Margot não sabia lidar na cozinha.

Margot tentou fazer uma geleia de mirtilo para nós, a pedido do meu pai. Ficou horrível. Tinha gosto de plástico, e, especialmente, tinha gosto de Margot. Não tinha gosto de mamãe.

Margot nos garantiu que meu pai não tinha pedido nada para ela, mas depois, eu e James descobrimos que sim.

Eu estava na praia silenciosa e vazia, e o barulho das ondas encontrando a areia me fazia sorrir e me sentir bem por dentro. Eu sabia que, se mamãe estivesse comigo, sorriria junto e me envolveria num abraço. Poderíamos ficar horas abraçadas ouvindo o som das ondas no período noturno.

James estava saindo da água, com sua prancha em mãos. Passou as mãos pelo seu cabelo levemente loiro, e sorriu, indicando que iríamos para a casa.

De onde estávamos observando a casa, a primeira vista era o quarto do papai e da Margot, que tinha uma parede só de vidro, com uma cortina para cobrir o quarto e impossibilitar a vista de outras pessoas às vezes.

No entanto, a cortina estava aberta.

Papai estava deitado na cama e Margot tinha os joelhos em volta de seu corpo, como se estivesse montando nele, mas não encostando nem um átomo de seu corpo no dele.

Em suas mãos, tinha uma faca, uma faca pequena, no entanto, afiada. Ela cortava levemente o peitoral do meu pai descoberto, enquanto ele gemia de dor.

Margot estava vestida, assim como meu pai, exceto pela camisa. Margot murmurava algumas coisas para ele.

A primeira reação de James foi ficar boquiaberto, e, em seguida, tapar meus olhos.

Eu ouvi o choro agoniante do meu irmão enquanto ele tentava me proteger. Eu ouvi a culpa em seus soluços por não conseguir cumprir o papel que queria.

Ouvir ele chorando me fez chorar também. Ele estava tão fraco interiormente, mas por fora estava forte o bastante para ter energia suficiente para tampar meus olhos e me proteger.

James sentiu sua mão molhada, então, eu ouvi seu choro se tornando mais estridente.

Senti como se parte de mim morresse naquele instante. Morte repentina, mas a decomposição estava quase finalizada pelo impacto da morte.

Olhei para ele no espaço entre seu indicador e seu polegar. Ele estava fechando os olhos com muita força, como se fizesse todo esforço do mundo para não olhar para aquilo, enquanto chorava. Chorava como eu nunca tinha o visto chorar. Como não chorava desde que teve que parar de jogar futebol americano por uma lesão no braço. Mas, este choro, foi definitivamente pior. O que eu achava impossível, porque ele chorou muito.

Eu e James não tivemos coragem de voltar para a casa de praia naquele dia. Nós arrumamos a canga na areia, e, como tínhamos trazido duas, usamos a outra para nos cobrirmos.

Nem pensamos no medo de sermos sequestrados ou algo assim. A dor era tão forte que não conseguíamos raciocinar.

Dormimos chorando. Lembro que James encostou minha cabeça em seu braço, e me abraçou com força. Senti suas lágrimas em minha testa, e vi que ele sentiu as minhas na altura de seu peitoral.

Éramos tão novos para desencadear o segundo trauma em um ano. Eu tinha nove, James, dez. Tudo o que pensei foi que se a mamãe estivesse aqui, nada disso teria acontecido, por mais que tenha sido um pouco egoísta.

Se meu pai estivesse morrendo, eu voltaria para casa sem pensar duas vezes. Mas percebi que Margot estava o provocando. Fazendo breves arranhados em seu peitoral. Quando estendemos a canga, observei sorrateiramente o quarto, e vi Margot dormindo, e papai lendo um livro na cama.

Me perguntei como o papai conseguia aceitar uma coisa dessas e agir normalmente depois. Me perguntei como ele conseguia a perdoar depois do sangue que ela fez escorrer e manchou sua camisa do pijama.

Eventualmente, acordava no meio da noite pelo desconforto durante o sono. James acordava pela minha movimentação na canga, e me abraçava mais forte toda vez que despertava. Eu chorava.

Chorei porque meus sonhos eram a cena repetida. Chorei a noite toda, sem nem mesmo perceber.

E James estava lá, firme e forte, cuidando de mim como um responsável e segurando o choro engasgado. Mesmo com dez anos de idade.

Eu nunca tive coragem de tocar no assunto com o papai. Nem James, o que me surpreendeu, porque ele era corajoso o bastante para enfrentar a situação. Nunca mais vimos Margot fazendo aquilo.

THE WAY I LOVED YOU, Jess MarianoOnde histórias criam vida. Descubra agora