𝐀 𝐔́𝐥𝐭𝐢𝐦𝐚 𝐌𝐞𝐦𝐨́𝐫𝐢𝐚

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Estava frio. Aquele dia foi um dos piores para a Rússia.

  Mas eu me sentia bem, em meio ao frio eu me sentia livre.

Sua presença fazia com que eu me sentisse liberta.

  Nossas mãos enluvadas e quentes estavam entrelaçadas e compartilhávamos o mesmo calor, nossos braços balançavam enquanto caminhávamos.

Eram tão gostosos aqueles momentos.

Olhei para ela. Ela estava cantarolando uma música que não fazia ideia de qual poderia ser.

Seu longo cabelo negro e brilhante como uma noite estrelada estava sendo chicoteado pelo vento, sua outra mão estava no bolso do jaquetão branco de pelos que formava um padrão claro sobre a sua pele branca como a neve que pisávamos, os olhos azuis, tão claros quanto o céu daquele dia, olhavam para algum lugar no horizonte, as maçãs do rosto e o nariz pontilhados por sardas estavam vermelhos por causa do frio e o batom vermelho-vivo escondia os lábios roxos pela baixa temperatura intensa que se estenderia até o final da semana.

Eu olhava com admiração aquela  beleza tão única. Eu queria e iria ser como ela.

  — O que você está cantando? – Perguntei.

  — Uma música. – Ela respondeu virando-se para mim, a voz tão calma e melodiosa.

  — Não brinca. – Franzi o sobrolho e ela riu.

  — É uma música que eu e o seu pai gostamos de ouvir. Um dia vai conhecê-la. — Ela diz sorrindo, um pouco distante. Dei de ombros e continuamos o caminho em silêncio.

  Sua cara parecia incomodada agora, desconfortável. Ela odiava o silêncio, amava fazer barulho e falar alto. Claro que, na frente da imprensa, ela tinha seus modos e sua postura, mas quando estamos só nós sozinhos, ela vira uma completa palhaça. Eu amava ela e os joguinhos que fazia apesar de sempre fazer uma cara de bunda chata, de acordo com ela. Hoje ela parecia mais quieta e aquilo me incomodava.

  — Em uma situação de emergência, o que você faria? — Quebrou o silêncio.

  — Não sei. Nunca estive em uma.

  — Sim, mas... se estivesse, o que faria?

  Eu não entendi. Não sabia aonde ela queria chegar.

  — Acho que tentaria me basear em alguma situação parecida que já tenha vivido.

  — Mas e se ainda não tivesse vivido?

  — Não sei. Acho que dependeria baseando nas minhas escolhas.

   —E se você não tivesse escolhas?

  — Eu arrumaria uma...  Pensei um pouco — Acho que talvez eu pensaria em um plano, mas acho que dependeria muito. Depende da situação de emergência que a senhora quer dizer.

  Ela cutucou o lábio inferior manchando a unha comprida vermelho-vinho com o batom, distante.

  — Vamos supor que uma pessoa que você gosta ou ama está em perigo, bem na sua frente. O que faria?

  Engoli em seco.

  — Tentaria tirá-la do perigo, oras! – Me sobressaltei referindo-me a ela.

  Minha mãe ri. Mas havia uma tristeza em seu riso.

  — Não, querida... a pessoa que você gosta está com vida em risco por causa de um... alguém, digamos, e a vida dessa pessoa depende de você e se você não conseguir salvá-la serão vocês duas indo para o beleléu. O que faria?

Eu não conseguia compreender para que rumo aquele testezinho que ela estava tentando fazer comigo estava indo, mas apenas respondi com as palavras que vinham do fundo do meu pequeno coração de garota de treze anos.

  — Acho que eu pensaria em vocês – Disse observando seus olhos brilharem — Eu pensaria no que vocês fariam se estivesse no meu lu... – Antes que pudesse terminar, minha mãe se joga sobre mim, me agarrando com toda a sua força.

Ela me abraça com força como um urso – ela era um terrível urso meloso e carente – sua bochecha gelada roçava a minha e ela gargalhava. Me senti um pouco constrangida com o abraço repentino. Eu já não entendia mais nada.

  — Enfim... – Ela diz se desgrudando de mim, relutante. Ela tira a sua toca e a coloca em mim. O sorriso amável daquela mulher já era o suficiente para poder me esquentar — Vamos, seu pai deve estar nos esperando... ele disse que tinha coisas importantes para tratar com você. – Ela colocou o braço em volta do meu enquanto eu arqueava uma sobrancelha em uma pergunta silenciosa.

  Ela não disse ou me perguntou mais nada. Apenas continuamos a caminhar pela pequena calçada de pedra revestida por neve em silêncio.

  O sol estava baixo e o céu estava entre laranja, salmão, lilás e azul, em um degradê do mais claro até o mais escuro. As poucas pessoas que estavam à nossa frente a alguns metros não passavam de sombras. Mas havia uma sombra que se destacava dentre as outras, esta se movia com graça enquanto tocava um violino.

  A melodia do violino era muito parecida com a música que minha mãe contarolara.

  Quando chegamos, a figura do homem que tocava o violino se aproximou de nós ainda tocando de modo majestoso. Ele sorriu, os dentes brancos e retos. Ele era perfeito. Os olhos verdes me encararam e depois encararam a minha mãe por debaixo do cabelo cor de chocolate. E por fim, parou de tocar.

  — Uma melodia que tenha tal significado compartilhado entre duas ou mais pessoas, sempre será mais especial. — Ele diz por fim — Esse é o segredo.


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