A SOMBRA DE VENEZA, Berlim ✓

﹙033﹚Aquele em que tudo para.

SEMPRE FUI O TIPO DE PESSOA QUE preferia confiar em mim mesma; nunca precisei contar com os outros, principalmente quando se trata de vida ou morte. A ideia de depender de outros para me manter viva parecia absurda. É como se confiar em mim mesma fosse um escudo, uma proteção contra o desconhecido. Mas agora, aqui estou eu, deitada numa maca, olhando para o teto branco e tendo que aceitar que não tenho controle sobre o que vai acontecer comigo.

Eu sentia tudo e ao mesmo tempo nada; sentia o cheiro estranho, desconhecido para mim, sentia o metal gélido abaixo de mim, sentia um suor frio descer pelo meu rosto, mas minha visão estava focada em um único lugar: nos rostos de Tóquio e Esme acima de mim.

Eu não conseguia ver suas feições, apenas os olhares. Dizem que eles são a janela da alma, que por meio deles tudo pode ser descoberto e sentido; os delas pareciam dizer que estávamos todos na merda. Eu sentia também como se tivesse duas pedras diferentes puxando as minhas pálpebras para baixo, meu cérebro nublando e os pensamentos e sons se afastando gradativamente.

E de repente, eu senti como se estivesse começando a flutuar, meu corpo ficando leve...

Isso até eu sentir algo parecido com um espeto me cutucando, um incômodo e uma voz raivosa e preocupada me chamando. Meu corpo voltou em um espasmo e vi o olhar repreensivo de Esme: —Não dorme ou eu faço de novo.