Capítulo 32

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O celular vibrou sobre o painel do carro e Lawrence o pegou, verificando a mensagem no pokézap para em seguida tornar a colocar o celular no painel e recostando-se no banco.
Havia mandado uma mensagem para Alice avisando que tinha chegado e depois de passados alguns minutos, ela respondera com um "estou terminando de me arrumar" e soube que iria demorar. Alice sempre havia tido esse hábito. Todas as vezes em que haviam saído juntos ( e foram muitas) era sempre a mesma demora. Principalmente nas festas de renome. Mas quem era ele para julgar? Havia demorado um pouco mais do que o usual hoje. E sabia o motivo.
Olhou para a fachada do hotel através de seus óculos escuros. Já fazia quase dez anos que havia se tornado tutor de Alice e a levado para morar em sua mansão. Uma grande mudança na vida dela e uma grande responsabilidade na vida dele. Não era uma coisa que ambos teriam escolhido, mas aquela tragédia havia acontecido e certas coisas haviam sido decididas por seus responsáveis muito antes que soubessem. E haviam aceitado. Por necessidade e por dever.

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Lawrence parou diante da porta fechada, observando o infantil enfeite em forma de uma pequena guirlanda no qual havia miniaturas dos três pokémon iniciais de Kanto. Mas seus pensamentos estavam além.
Iria mesmo agregar mais aquela responsabilidade para si? Já estava suportando e lidando com coisas demais há cerca de treze anos e nos últimos três, após já ter atingido a maioridade, a carga de deveres e obrigações triplicara. E se realmente aceitasse mais aquilo...lidar com burocracias de empresas e investimentos era uma coisa, mas se responsabilizar por uma pessoa era muito maior. E, ao contrário da Silph Co. e demais propriedades em que era obrigatório que cuidasse por serem seu patrimônio herdado, aquela criança não era.
Mas quando viu aquela menina no velório, assistindo o corpo dos pais desaparecerem no crematório...ela tinha um olhar tão triste e desamparado que era como se soubesse que teria de suportar, sozinha, um fardo muito pesado. E Lawrence viu, através dela, ele próprio anos atrás.
E por isso estava diante daquela porta. Se havia decidido, agora era a vez de dizer e perguntar se ela aceitaria sua proposta.Suspirou, bateu de leve na porta e entrou.
Havia uma claridade parcial no quarto devido as cortinas estarem fechadas.Mas Lawrence visualizou um quarto grande, muito bem decorado com diversas coisas típicas de uma menina que estava começando a se tornar adolescente no qual coisas fofas perdiam gradualmente lugar para coisas mais rebeldes.
Ele logo viu a pequena Alice sentada na cama. Com a cabeça abaixada, abraçando os joelhos, ela chorava baixinho. Ao seu lado, o pequeno Charmander a observava entristecido, mantendo uma de suas patinhas sobre uma das pernas da garota, em sinal de apoio. Mas ao perceber a presença de Lawrence no quarto, o pokémon fez um gesto para sua treinadora enquanto o empresário se aproximava
E quando seus olhos se encontraram, ambos hesitaram. Aquilo seria difícil.
Alice sabia quem ele era. Sua mentora, Janete, havia lhe dito e mostrado durante o funeral, mas não havia prestado muita atenção. Tudo o que queria era esquecer aquele dia.

"Mas em algum momento, vocês terão que se conhecer. – ela falara. – Como seus pais gostariam que você fizesse."

Lawrence pensou em como poderia começar. Porém, toda aquela situação recente era muito complicada. Para os dois.
Como a garota continuava o encarando, Lawrence indicou, com um gesto, se poderia sentar na beirada da cama e ela deu um pouco de espaço para que ele o fizesse.Prontamente o pequeno Charmander se esgueirou entre os dois, atento.
— Acredito que saiba quem sou.
Alice apenas afirmou com a cabeça, mas nada disse. Ele continuou.
— Sei que é difícil conversar em um momento como esse, no qual sua perda é recente, mas...eu não posso permanecer aqui na cidade por mais tempo devido as minhas responsabilidades.
— E o que eu tenho a ver com isso?
Ainda que a pergunta dela soasse rude, era possível notar que estavam embargada pelo choro. Lawrence pensou em como responder.
— Realmente, você não tem que se importar com as minhas obrigações. Mas eu aceitei o pedido contido no testamento deixado por seus pais, de que eu me tornaria responsável por você até que atinja a maioridade. E estou disposto a cumprir isso, mas não quero obrigá-la a sair de sua casa e abandonar o modo de vida que tem se você realmente não quiser.
Ele se levantou e foi até a janela, abrindo a cortina apenas o suficiente para olhar a movimentação no local. Crispou os lábios ao reconhecer o pequeno grupo de jornalistas e fofoqueiros do outro lado da rua.
Desde a acidental e trágica morte do casal de historiadores Théo e Isabele Liddel nas Ruínas de Alph semana passada, a mídia sensacionalista estava fervorosa não apenas sobre detalhes da morte ou o que o casal estava pesquisando e descobrindo, mas também qual seria o destino da única filha deles. Como se não bastasse isso, alguém vazara a informação de que o herdeiro da Silph Co seria o tutor da garota de acordo com o testamento deixado pelo casal.
E os curiosos e oportunistas estavam rodeando a vida daquela menina feito Mandibuzz na carniça. Como havia acontecido com Lawrence no momento em que havia se tornado o único herdeiro do império de sua família.
— Mas é um fato.– ele continuou, se afastando da janela.– Que teremos de conviver e manter um contato constante. Se você quiser mesmo ficar aqui...terá de lidar com as pessoas. Sabe que há oportunistas rondando e isso continuará por algum tempo. Na escola e em qualquer lugar que você for, haverá quem comece a tratá-la diferente por diversos motivos.E por conta disso precisará ficar sempre atenta para não correr riscos e cometer erros com as pessoas que possam te causar problemas. São muitas responsabilidades.
— E eu posso não querer elas?
— Não, não pode.
— Mas não é você quem vai se tornar responsável por tudo?
— De certa forma, sim. Mas só até que você atinja a maioridade. Nesse tempo, irei te ensinar e te direcionar como deve aprender a lidar com sua herança. Quero ser o mais transparente com você acerca disso, para que no futuro você saiba como cuidar do que lhe pertence, cuidar do trabalho histórico que seus pais fizeram ao longo dos anos a fim de que ninguém tome nada do que te pertence. Ofereço a proposta de morar comigo para assim ser mais fácil lidar com tudo.
A garota se moveu na cama, mas apenas para lhe dar as costas. Percebendo a tristeza de sua treinadora, o Charmander engatinhou até ela, tomando cuidado para que a chama na ponta de sua cauda não queimasse ela ou a colcha na cama. Lawrence suspirou.
— Alice. – falou, de forma suave. – Sei que tudo o que está passando, o que irá passar e o processo do luto é difícil, mas...
— Você não sabe o que eu estou passando! – ela despejou, voltando a se sentar na cama. – Meu pai e minha mãe se despediram de mim com um sorriso, dizendo que iam voltar até o final da semana, mas eles não voltaram! Eu quero meu pai de volta, eu quero a minha mãe de volta! Porque isso teve que acontecer com eles?! Eles eram boas pessoas! Eu não quero ter que aprender esse negócio de administrar herança ou sei lá o quê! Você não faz ideia do medo e da dor que eu tô sentindo!
— Eu sei, sim.
— NÃO SABE! Eles podiam ser seus amigos, mas eram os meus pais!
— Eu também perdi os meus!
Alice se calou ao ouvir e Lawrence percebeu que havia elevado um pouco a voz, de modo que tratou de se recompor.
— Meus pais faleceram quando eu tinha mais ou menos a sua idade. O intervalo da morte entre eles não foi muito longo e por causas diferentes. A partida do meu pai não me afetou tanto, mas a da minha mãe...perder alguém que amamos de uma forma repentina é doloroso mas ver alguém que amamos partindo aos poucos é dilacerante. A verdade, Alice, é que eu entendo o que está passando embora a sua dor e a minha dor não sejam iguais. E, assim como você, eu precisei aprender a administrar tudo o que meus pais deixaram. Foi difícil e, na verdade, continua sendo, abdiquei de muitas coisas, mas era algo que eu tinha de fazer. E você terá de fazer ao longo do tempo. Mas em um ponto, você está melhor do que eu nessa situação.
Alice encarou o jovem empresário, consternada.
— A sorte de ter alguém disposto a te amparar e ajudar a lidar com a dor da perda daqueles que mais amava e o peso de todas as responsabilidades vindas por conta disso. – ele a encarou. – Alice, eu não sei o motivo dos seus pais colocarem no testamento para que eu fosse o seu tutor mas por essa confiança que me deram, eu quero te ajudar.
A garota nada disse durante m tempo e Lawrence respeitou o silêncio.
— Sinto muito a falta deles...– a voz dela saiu fraca. – Essa dor...quando ela vai passar?
— Gostaria de dizer quando, mas a verdade é que esse é um tipo de dor que nunca vai embora. Sempre sentirá dor e saudade pela partida de seus pais, assim como eu sinto dos meus. Mas com o tempo, ela fica suportável e seguimos em frente.
No fundo, Alice sabia disso. Mas ouvir fazia doer ainda mais. E todo o choro que estava preso em sua garganta saiu de uma vez, entristecendo o pequeno Charmander. Lawrence tocou de leve a cabeça dela e, em um impulso, Alice o abraçou, afundando o rosto em seu peito e Lawrence a abraçou com cuidado. Gostaria de ter tido alguém que o amparasse naquela época, mas não era capaz de mudar o passado. Então que, pelo menos, pudesse amparar e cuidar daquela menina.
— Eu ficarei do seu lado e nunca vou deixá-la sozinha.

A Lenda de CristalWhere stories live. Discover now